Línguas e Instrumentos Lingüísticos n° 9/10
APRESENTAÇÃO
Este volume da Revista Línguas e Instrumentos
Lingüísticas tem dois núcleos de interesse. No primeiro,
encontramos três textos que trazem análises de aspectos da significação,
através da análise da designação e da metáfora,
e da mobilização de conceitos como interdiscurso e acontecimento.
Rachele Raus analisa a mudança de sentido na
relação turcos- Sultão tal como representada pelos franceses
entre os séculos XVII e XVIII. O fato de que as mudanças ocorridas
entre os dois séculos correspondam a mudanças efetivas no
Império otomano leva a autora a supor que a re-elaboração
do referente 'turcos-Sultão' pelos franceses não seja indiferente
à proximidade da Revolução Francesa, e ela constitua,
pelos efeitos lexicais e discursivos que carrega, acontecimento semântico.
Mariângela Joanilho apresenta uma discussão
da metáfora a partir da análise do acontecimento enunciativo
da inscrição da palavra “diálogo" no cassetete de um
policial destacado para vigiar uma manisfestação de camelôs
em São Paulo, em 1999. A autora mostra a forma dissensual de funcionamento
da metáfora, enquanto lugar de subjetividade.
Maria Aparecida Honório analisa os discursos
sobre as línguas faladas Brasil no início da colonização
e seus efeitos na atual conjuntura da educação escolar indígena.
Observando o funcionamento das designações, mostra o modo de
produção interdiscursivo de sentidos sobre a diversidade lingüístico-cultural
no país. Tendo em vista a problemática do ensino em comunidades
indígenas em que o português é a única língua
falada, o texto quer contribuir na tomada de uma posição crítica
e conseqüente acerca do ensino de línguas em contexto indígena.
No segundo núcleo de interesse, estão
dois textos que tratam de aspectos da história das Idéias Lingüísticas
no Brasil.
Zenaide Carneiro analisa trechos de três colunas
sobre a língua publicadas em jornais da Bahia na década de
1920. O eixo é a coluna de Galdino Moreira (Galmor), de quem a autora
mostra o posicionamento (contra o purismo e a favor das especificidades do
português brasileiro) uma contenda própria à sua época:
entre puristas e defensores da especificidade da língua portuguesa
do Brasil.
Norma de Almeida analisa obras de dois autores que
marcaram os estudos lingüísticos no Brasil entre o final do
século XIX e a primeira metade do século XX: Pacheco Silva
e Said Ali. O objetivo é compreender como estes autores enunciaram
os elementos de origem africana do português do Brasil, chamados africanismos,
em relação à língua nacional do Brasil.
Na seção Crônicas e Controvérsias
está um texto, de Pedro Brum Santos, também sobre a História
das Idéias no Brasil, cujo objetivo é levantar, inventariar
e analisar textos-fonte para o estudo da literatura e da cultura do Rio Grande
do Sul. Mais especificamente, tem como objeto um conjunto de cartas pertencentes
ao acervo do poeta Felippe D'Oliveira (1890-1933), que se encontra em Santa
Maria, terra natal do autor.
Ao lado deste trabalho, e em virtude da importância
do evento dedicada a um dos assuntos que compõem a linha editorial
de Línguas e Instrumentos Lingüísticos, publicamos
uma pequena nota a respeito da IX International Conference on the History
of Language Science, que se realizou no Brasil em agosto de 2002, por iniciativa
dos departamentos de Lingüística da Unicamp e da USP.
A seção Resenhas traz a leitura
de duas obras. Sheila Elias de Oliveira analisa o livro Língua
e Conhecimento Lingüístico de Eni P. Orlandi, obra que "tem
o mérito de nos interrogar sobre nossas próprias práticas
enunciativas como sujeitos falantes e, de maneira bem específica, como
estudiosos da linguagem e professores de lingua/lingüística".
Rosane de Bastos apresenta Produção
e Circulação do Conhecimento: Estado, Mídia, Sociedade,
Volume I, obra que analisa aspectos importantes da relação
entre a ciência, a mídia, a sociedade e Estado.
Com este volume Línguas e Instrumentos Lingüísticos
chega a seu décimo número. Os volumes publicados nestes cinco
anos (1998-2002: têm procurado, tal como este, contribuir para a circulação
do conhecimento sobre Linguagem e assim criar possibilidades reais de discussão
de questões relevantes da área dos Estudos Lingüísticos,
aí incluída a História das teorias, dos métodos
e das Idéias Lingüísticas.
Os
Editores
DINÂMICA DA RELAÇÃO “TURCOS-SULTÃO” NOS SÉCULOS
XVII-XVIII E EFEITOS DE SENTIDO: PODE-SE FALAR DE ACONTECIMENTO SEMÂNTICO?
Rachele Raus
UNIVERSITÉ
DE PARIS III
RESUMO: Em um corpus de verbetes de dicionário, textos literários
e de viagem, Rachele Raus analisa a mudança de sentido na relação
'turcos-Sultão’ tal como representada pelos franceses entre os séculos
XVII e XVIII. A autora interpreta elementos como: a diminuição
dos textos de viagem no século XVIII; o papel de deus impingido
ao sultão no século XVII e o de tirano na segunda metade do
século XVIII; a sensualidade atribuída ao sultão no
século XVII e estendida aos turcos no século XVIII; a representação
do harém relacionada à falta de liberdade das mulheres devido
ao despotismo (religioso) século XVIII; a passagem do silêncio
dos turcos no século XVII à I revolta no século XVIII.
O fato de que as mudanças ocorridas entre os dois séculos não
correspondem a mudanças efetivas no Império otomano levam
a autora a supor que a re-elaboração do referente 'turcos-Sultão'
pelos franceses não seja indiferente à proximidade da Revolução
Francesa, e que ela constitua, pelos efeitos lexicais e discursivos que carrega,
um acontecimento semântico.
ASTRACT: In a corpus composed of dictionary entries, literary ts and voyage
diaries, Rachele Raus analyses the change of sense 'he relation Turks-sultan
as it is represented by the French between 17th and 18th centuries. The author
interprets elements such as: reduction of voyage diaries in the 18th century;
the role of god attributed to the sultan in the 17th century and that of
a tyrant in the second half of the 18th century; the sensuality attributed
to the sultan in the 17th century and extended to the Turks in the 18th century;
representation of the harem related to the lack of liberty of women to (religious)
despotism in the 18th century; the passage of a Turkish silence in the 17dt
century to a Turkish rebellion in the 18dt century. The fact that the changes
between the two centuries do not correspond effective changes in the Ottoman
Empire leads the author to assume that the re-elaboration of the referent
'Turks-sultan' by the French is not indifferent to the approach of the French
Revolution 1d that it constitutes, for the lexical and discursive effects
that it brings with it, a semantic event.
SENTIDO E ACONTECIMENTO: SOBRE A CONSTITUIÇÃO DO DIÁLOGO.
Mariângela P. Galli Joanilho
UNIVERSDADE
ESTADUAL DE LONDRINA -PR
RESUMO: Mariângela Joanilho apresenta uma discussão da metáfora
com base em teóricos que consideram o político como próprio
das práticas de linguagem: Michel Pêcheux, Eni Orlandi, ,Jacques
Ranciere, Eduardo Guimarães. A partir da análise do acontecimento
enunciativo da inscrição da palavra "diálogo" cassetete
de um policial destacado para vigiar um protesto de camelôs em São
Paulo em 1999, a autora mostra a forma dissensual de funcionamento da metáfora,
enquanto lugar de subietividade.
ABSTRACT: Mariângela Joanilho presents a discussion of metaphor
based on theoreticians who consider lhe poli ti cal character as proper
to language practices: Michel Pêcheux, Eni Orlandi, Jacques Racière,
Eduardo Guimarães. Starting from the analysis of the speech event
of the inscription of the word "dialogue" on the blackjack of a policeman
picked out to watch over a protest of “camelôs" in São Paulo
in 1999, the author shows the disensual form of the functioning of metaphor
as a place of subjectivity.
topo
DO DISCURSO SOBRE O TUPI PARA O DISCURSO DOS TUPI: PRODUÇÃO
DE CONHECIMENTO E IMAGINÁRIO.
Maria Aparecida Honório-Ceci
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
-PR
RESUMO: Focalizando a questão da diversidade lingüística
brasileira, este trabalho tem como objetivo analisar os discursos sobre as
línguas faladas no Brasil no início da colonização
e seus efeitos na atual conjuntura da educação escolar indígena.Procuramos
comparar os modos de produção de sentido sobre as línguas
e os sujeitos falantes no texto Viagem ao Brasil, de Hans Staden (1557),
e em alguns textos orais produzidos pelos Tupinikim na atualidade. Pelas análises,
mostramos de que modo a construção ma unidade imaginária
de língua e de sujeito indígena no período colonial
retorna nos dizeres atuais sob forma de ressonância discursiva, afetando
as práticas sociais e os processos identitários sociedades indígenas.
Observando o funcionamento das designações, mostramos ainda
o modo de produção interdiscursivo de sentidos sobre a diversidade
lingüístico-cultural no país. Tendo em vista a problemática
do ensino de tupi em comunidades indígenas em que o português
é a única língua falada, este texto quer contribuir
na tomada de uma posição crítica e conseqüente
acerca do ensino línguas em contexto indígena.
ABSTRACT: Focusing on the question of Brazilian linguistic diversity,
this paper aims at analyzing the discourses about languages en in Brazil
in the beginning of our colonization and their effects on the present situation
of Indian education. We have searched to compare the means of producing meaning
about such languages their speakers in the text Voyage to Brazil, by Hans
Staden (1557), in some oral texts by the Tupinikim nowadays. Through the
analyses we have shown in which ways the construction of an imaginary of the
language and the Indian subject in the colonial period returns in present
speeches as a discursive resonance, affecting social practices as well as
identitary processes in Indian societies. Observing the functioning of several
designations, we have a shown the inter-discursive means of production of
meaning about the linguistic-cultural diversity in the country. In face of
the problem of the teaching of tupi in Indian communities in which Portuguese
is the only language spoken, this text wishes to contribute to a critical
and consequent positioning regarding language teaching in Indian context.
A LÍNGUA VERNÁCULA NA VISÃO DE REDATORES BAIANOS
1920 -1921.
Zenaide de Oliveira Novais Carneiro
UNIVERSIDADE
ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA -BA
RESUMO: Neste texto, Zenaide Carneiro analisa trechos de três colunas
sobre a língua,publicadas em jornais da Bahia na década de
1920. O eixo é a coluna de Galdino Moreira (Galmor), do qual a autora
mostra o posicionamento em uma contenda própria à sua época:
entre puristas e defensores da especificidade da língua portuguesa
do Brasil. A análise mostra como Galmor se afirma o purismo e a favor
das especificidades do português brasileiro em traços como:
o acolhimento de expressões consideradas "estrangeirismos"; o enunciar
do lugar de leigo, indo o seu dizer como "opinião" e colocando-se,
então, como um do povo; o respaldo da fala do povo pela fala de literatos;
as ações do português do Brasil -assumido por Galmor
como “nosso”- em contraponto às do português de Portugal.
ABSTRACT: In this article, Zenaide Carneiro analyzes excerpts from three
columns about language published in newspapers of in the decade of 1920.
The axis is the column of Galdino Moreira (Galmor) of whom the author shoes
his positioning in a ~ current at his time: that between purists and defenders
of the specificity of Portuguese in Brazil. The analysis shows how or takes
position against purism and favorable to specificities in Brazilian Portuguese
in traces such as: his action of expressions considered to be "foreignisms
"; his enunciation as a layman, stating his speech as an "opinion" and ,putting
himself as one of the people; the corroboration of the speech of the people
through the speech of literates; the designations of Brazilian Portuguese
-assumed by Galmor as ., -contra-posed to European Portuguese.
topo
O (QUASE) ESQUECIMENTO
DOS AFRICANISMOS EM ESTUDOS DE PACHECO SILVA E SAID ALI.
Norma Lucia
Fernandes de Almeida
UNIVERSIDADE
ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA
RESUMO: Norma de Almeida analisa obras de dois autores que marcaram os
estudos lingüísticos no Brasil entre o final do século
XIX a primeira metade do século XX. Pacheco Silva e Said Ali. O objetivo
é compreender como estes autores enunciaram os elementos de origem
africana do português americano, chamados africanismos, em relação
à língua nacional do Brasil. As análises mostram que
mesmo neste momento em que se valorizam as especificidades do nosso português,
os africanismos são freqüentemente negligenciados, em contraponto
aos indigenismos, enunciados como "brasileirismos". Quando incluídos,
os africanismos são palavras com valor pejorativo;além disso,
seu uso é desaconselhado no português culto. Na divisão
que constitui a língua portuguesa no Brasil, o modo de enunciação
dos africanismos orienta para uma imagem de língua nacional europeizada,
considerada culta.
ABSTRACT: Norma de Almeida analyzes works of two important authors in
linguistic studies in Brazil between the end of the 19th and the beginning
of the 20th century: Pacheco Silva e Said Ali. The aim is to understand
how these authors have enunciated the elements of African origin in American
Portuguese, called africanisms, in relation to the national language in
Brazil. The analyses show that even in this moment in which specificities
of our Portuguese are valued, africanisms are frequently neglected, differently
to what happens to indianisms, enunciated as "brazilianisms ". When included,
africanisms are words pejorative value; besides, their use is de-counseled
in cultivated Portuguese. In the division that constitutes Portuguese language
in Brazil, the means of enunciation of africanisms leads to an image of
an European-like national language, regarded as cultivated.
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