Teatro de Revista

 

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O BILONTRA

O ano de 1886 teve quatro revistas que subiram aos palcos, dentre elas O Bilontra, de Arthur Azevedo e Moreira Sampaio.

O Bilontra, que conta com um Prólogo, três atos e 17 quadros, aborda uma crônica policial que tornou-se célebre no Rio de Janeiro no ano anterior: o julgamento de Miguel José de Lima e Silva, que havia tomado três contos de réis do comendador Joaquim José de Oliveira em troca de um título falso de barão. O processo durou exatos dois anos: de setembro de 1884 a setembro de 1886.

O comendador tentou retirar a revista de cartaz - sentia-se envergonhado por ter "caído no conto do vigário" -, mas não conseguiu.

A estréia d’O Bilontra aconteceu, não se sabe ao certo, em 28 ou 29 de janeiro, no Teatro Lucinda.

O elenco era o da Companhia Dias Braga e contava com atrizes como Rose Villiot, que na época já havia abrasileirado seu nome, tornando-se, portanto, Rosa; a orquestra era coordenada e regida pelo maestro Gomes Cardim.

O Bilontra ultrapassou a marca de 100 representações e foi responsável pela implantação definitiva do gênero no Brasil, conferindo a seus autores o título de os melhores no ofício.

O êxito extraordinário da revista deve-se, entre outras coisas, ao fato de que seus autores - Azevedo e Sampaio - haviam encontrado a maneira perfeita de agradar aos mais variados tipos de público, graças à escolha da situação a ser encenada. Além disso, a música foi um fator importante: um lundu de Gomes Cardim, "Recreio da Cidade Nova", que domina a Cena VIII do Quadro VIII no 2º ato, alude claramente a Felipe José de Souza Lima, proprietário do modesto e vulgar Teatro Recreio da Cidade Nova, e o refrão "Ataca, Felipe!" entrou para a linguagem coloquial. Na Cena I do Quadro VI do 1º ato cantam e dançam Alerquim, o Carnaval, o Entrudo, Zé Pereira, e a letra menciona Fenianos, Tenentes do Diabo e Democráticos, as três grandes sociedades carnavalescas que imperavam na Corte. Todos estes elementos conjugados demonstram a possibilidade de identificação de uma platéia heterogênea mas predominantemente de classes pouco cultas, com a arte de massa que O Bilontra exemplificava.

A sucessão das ações espelhava uma crítica acerca das situações ocorridas com as personagens, que por vezes, eram alegóricas. Faustino, o bilontra, é perseguido por meirinhos que vão penhorar seus bens, pois ele deve a uma firma comercial. Surge, então, a oportunidade a Faustino de receber dinheiro com a venda de um baronato. Duas personagens alegóricas - o Trabalho e a Ociosidade - discutem seu destino durante toda a peça. Mas o triunfo é sempre da Ociosidade, que recebe o auxílio da também alegórica Jogatina, filha do rei do jogo.

Na busca incessante por dinheiro para ajudar Faustino, as duas - Jogatina e Ociosidade - saem pelas ruas do Rio de Janeiro e se deparam com aspectos típicos do cotidiano carioca do século XIX: o jogo à solta, fiscais corruptos, demolição de prédios históricos, especulação imobiliária, a moda do banho de mar logo pela manhã, jornalismo sensacionalista...

O patriotismo das situações é deixado de lado quando é prestada uma homenagem a Victor Hugo, enquanto o elenco inteiro canta a Marselha, que na época simbolizava as aspirações republicanas.

Talvez o sucesso da revista tenha se dado exatamente devido ao seu caráter instigante, provocador, subversivo, em um ano no qual o déficit público é superior a 18 mil contos de réis, há crise na lavoura, cresce a propaganda abolicionista, e o Império vai perdendo sua credibilidade.

Referência: PAIVA, S. C. Viva o Rebolado! Vida e Morte do Teatro de Revista Brasileiro Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1991.

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