“Digamos que lalíngua, qualquer elemento de lalíngua, é, em relação ao gozo fálico, um talo, um talo de gozo. E é por isso que estende tão longe as suas raízes no corpo” – Jacques Lacan, Les non-dupes errent, 1974.

Há mais de uma década, os encontros e jornadas que promovemos se debruçaram sobre as articulações entre corpo e linguagem, explorando, pela via do corpolinguagem – um neologismo proposto por Ana Costa –, as diferentes e complexas faces do imbricamento dessas duas materialidades. No momento atual re-lançamos a questão, agora situada de modo a incluir um terceiro elemento – o gozo – que, segundo Gisèle Chaboudez, permite pensar o laço entre corpo e linguagem.

Ao nos determos nos efeitos desse percurso de trabalho, mantemos a insistência no/naquilo que do corpo se inscreve, se escreve e não se deixa apreender. Encontra-se, por assim dizer, na ponta da língua. Daí o desconcerto produzido pelo presentificar de lalíngua no título, indicando justamente a dimensão dessa língua que a psicanálise põe em cena. O que a língua nomeia gozo, a psicanálise distingue de satisfação e faz ressoar. O tema – o corpo na ponta de lalíngua – propõe, entre outras, a seguinte questão: o que pode ser o corpo na ponta de lalíngua se consideramos que lalíngua opera como sombra de língua e se tomamos a língua como a integral de equívocos? Como língua misturada de gozo e de equívocos que se implantam no corpo, lalangue se faz presente como um mosaico em que o eco se transmite, mas pode ser esquecido: “l’echo de lalangue dans la langue”, nas palavras de Erik Porge, cuja sonoridade se perde na tradução, fazendo-se, quem sabe, o eco/oco que pulsa na poesia.

Lalíngua remete ao ponto em que língua e desejo se mesclam, provocando os ruídos indistintos que apaziguam, ferem e precipitam o corpo no irrepresentável. No encontro de 2022, convidamos a um peteleco na língua, como nos diz Lacan, isso que se faz em cada um, a cada instante, e assim poderíamos reformular a frase e trazer à cena outra inscrição: o corpo na ponta das formações do inconsciente.