Relatos nº 01

Sinopse dos Estudos do Português no Brasil
Eduardo Guimarães

Breve caracterização do projeto 

Publicações

Congressos e Conferências 




SINOPSE DOS ESTUDOS DO PORTUGUÊS NO BRASIL

Eduardo Guimarães
DL – IEL – UNICAMP

    Se tomarmos uma posição historiográfica, podemos estabelecer uma periodização para os estudos do Português no Brasil levando em conta fatos de ordem política e institucional. Isto nos dá quatro períodos para estes estudos.
    O primeiro período iria da “descoberta” em 1500 até a primeira metade do século XIX, momento em que se desenvolvem debates entre brasileiros e portugueses a propósito de construções consideradas inadequadas por escritores ou gramáticos portugueses. Deste momento é a célebre polêmica entre José de Alencar e Pinheiro Chagas; ou a polêmica entre Carlos de Laet e Camilo Castelo Branco.
    O segundo período iria da segunda metade do século XIX, iniciada pelos debates referidos no parágrafo anterior pela publicação de gramáticas como a de Júlio Ribeiro em 1881, pela fundação da Academia Brasileira de Letras (em 1897), até fins dos anos 30, quando da fundação das Faculdades de Letras no Brasil. Tanto a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP (em 1937) quanto a Faculdade Nacional de Letras da Universidade do Brasil (em 1939).
    O terceiro período iria do final dos anos 30 até meados da década de 60, quando o Conselho Federal de Educação torna a Lingüística disciplina obrigatória no Brasil, para os cursos de Letras.
    O quarto período iria de meados dos anos 60 até hoje. Período em que a lingüística se implantou em todos os cursos de graduação em Letras e ao mesmo tempo foram implantados cursos de Pós-graduação em Lingüística em alguns centros universitários brasileiros.
    Para cada um destes períodos arrolamos uma certa produção, com algumas de suas características.

Primeiro Período
    Este período se caracteriza, basicamente, por não ter ainda estudos de língua portuguesa feitos no Brasil.
    Os anos finais deste período coincidem com a Independência do Brasil e com a entrada no Brasil das idéias românticas. O movimento das idéias no Brasil começa se dar por influência de outros países e não só através de Portugal. Segundo Cruz Costa, “À França pediram-se figurinos literários e filosóficos; à Inglaterra, senhora de uma monarquia modelo, o ritual do parlamentarismo, e a Alemanha, sobretudo depois de 1870, ao mesmo tempo que nos enviava a sua metafísica clássica, remetia-nos também as suas novas orientações científicas” (1967,67). E esta mudança vai se intensificar a partir de 1850 quando entra no Brasil, todo um conjunto de novas idéias. 1850 é o ano em que cessa o tráfico de escravos para o Brasil. A suspensão do tráfico de escravos leva uma mudança nas relações de produção, que levou a uma decadência do nordeste, e a um crescimento do centro-sul. O dinheiro que se empregava na compra de escravos passa a ser utilizado para novos investimentos, tendo-se, então, uma mudança decisiva na vida material do Brasil. Segundo Cruz Costa, “O Brasil passa, a partir de 1850, por uma completa remodelação material. Sua inteligência irá seguir também caminhos novos” (1967,100).
    Em meados do século XIX, então, o Brasil que já abrira a possibilidade de receber outras influências, ou seja, que já abrira a possibilidade de outras filiações, passa claramente a importar estas novas perspectivas, num movimento geral de mudanças das condições materiais do país.
E começa por esta época o segundo período dos estudos do Português no Brasil.

Segundo Período

    Em 1857 Brás da Costa Rubim publica ‘Vocabulário Brasileiro para servir de complemento aos dicionários da língua portuguesa’.
    Em 1870 se dá a conhecida polêmica entre José de Alencar e o português Pinheiro Chagas. Pinheiro Chagas fez críticas à linguagem de Alencar em Iracema. Alencar responde em um postscrito na segunda edição. As críticas de Pinheiro Chagas são relativamente a neologismos e certas construções gramaticais: uso do artigo, omissão do se reflexivo de certos verbos, e a famosa questão de colocações de pronomes pessoais.
    Nos anos de 1879-1880 dá-se a polêmica entre Carlos de Laet e o escritor português Camilo Castelo Branco.
    A ‘Gramática Portuguesa’ de Júlio Ribeiro é de 1881. Nesta gramática, J. Ribeiro considera que as “antigas gramáticas portuguesas eram mais dissertações de metafísica do que exposições do uso da língua” (apud Nascentes, p. 28).  Opõe-se assim às gramáticas portuguesas e busca uma outra influência teórica: Becker na Alemanha e Mason na Inglaterra. Registraria aqui que esta atitude de Júlio Ribeiro corresponde a um distanciamento da influência direta de Portugal. Distanciamento, correspondente, como vimos acima, ao que foi se dando em diversas atividades no Brasil a partir de século XIX. Este fato, deve ter sido o que levou A. Nascentes a considerar o trabalho de Júlio Ribeiro como iniciador do que ele chamou o período gramatical, conforme sua periodização (Nascentes, 1939).
    Estudos Filológicos  de João Ribeiro (1884) é talvez o primeiro conjunto de ensaios de caráter filológico no Brasil.
    Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa de Antonio Joaquim de Macedo Soares é de 1888. Antes ele publicara em 1880, na Revista Brasileira, estudos lexicográficos do português do Brasil. Ressalta-se aqui a presença da determinação ‘brasileiro’ no título do dicionário. O próprio autor diz que “já é tempo dos brasileiros escreverem como se fala no Brasil e não como se escreve em Portugal” (apud Mattoso, p.200). Ou seja, a escrita deve se pautar pela linguagem falada do Brasil e não pela língua escrita em Portugal.
    De 1889 é “Neologismo indispensáveis e Barbarismos Dispensáveis” de Castro Lopes. Nesta obra o autor, para fugir aos  barbarismos, cria famosos neologismos como Convescote, cardápio, etc.
    Em 1897 funda-se a Academia Brasileira de Letras com a finalidade de cuidar da cultura da língua e da literatura nacional. A Academia estará, como se sabe, envolvida no acordo de unificação ortográfica de 1932, e um parecer sobre a denominação da língua que se fala no Brasil, em 1946.
    E já desta época a produção de Cândido de Figueiredo, filólogo português, que mantinha uma coluna intitulada “o que se não deve dizer” no Jornal do Comércio. Parte do que se publicou nesta coluna ele publicou em 1903.
    Desta época é também a polêmica entre Rui Barbosa e Ernesto Carneiro Ribeiro em torno da redação do Código Civil. De 1902 é o “Parecer” de Rui. Deste mesmo ano é a resposta de Carneiro Ribeiro: “Ligeiras Observações sobre as emendas do Dr Rui Barbosa ao projeto do Código Civil”. Em 1904 Rui faz sua “Réplica”, que terá em 1905 nova resposta de Carneiro Ribeiro: “Redação do Projeto do Código Civil e a Réplica do Dr Rui Barbosa”. Registro aqui uma opinião de João Mangabeira sobre esta polêmica: o que Rui construiu com o “Parecer” e sua “Réplica”, foi tal “que o amor, o zelo pela língua portuguesa se pode, nitidamente, dividir, entre nós, em duas fases: antes e depois da “Réplica”. (apud Nascentes, p.37). Há que se registrar também a opinião de José Veríssimo, que considera a Réplica “uma lição de português”.
    Em 1903 é publicado Estudos da Língua Portuguesa de Mario Barreto, que combate as posições de Candido de Figueiredo, e que, posteriormente, sustenta as posições a favor da grafia simplificada de Gonçalves Viana. Incluindo-se, também, no conjunto dos autores que defendem uma norma classicista para o português no Brasil.
    De 1907 é a publicação da Gramática de Eduardo Carlos Pereira, fortemente influenciada pelas posições da gramática filosófica. Esta gramática teve grande influência no ensino secundário brasileiro, em muitas regiões, não se restringindo a São Paulo, onde o autor trabalhava.
    Em 1908 M. Said Ali publica Dificuldades da Língua Portuguesa. Esta obra é, como se sabe, um trabalho descritivo sobre pontos importantes da língua portuguesa.
    De 1920 é o Dialeto Caipira de Amadeu Amaral. Esta obra é um marco na produção dialetológica, já bastante desenvolvida então, com trabalhos sobre diversas regiões brasileiras. Em 1922 A. Nascentes apresenta sua monografia sobre o linguajar carioca. Ainda de Nascentes é o primeiro Dicionário Etimológico publicado no Brasil (em 1932). De 1939 é seu Estudos Filológicos, que inclui textos como “Independência Literária e Unidade da Língua” e “A Filologia Portuguesa no Brasil”.
    Registraria ainda a publicação de Lições de Português de Souza da Silveira em 1923. Uma sucinta e meticulosa gramática histórica do português. Esta obra é no seu conjunto um estudo histórico de aspectos neogramáticos. No final da obra aparece uma Seção sobre Dialetologia onde ele, e praticamente somente aí, trata das especificidades do Português no Brasil. A partir de 1946, a obra traz um apêndice: “Denominação do idioma nacional do Brasil”. Neste parecer a comissão que o fez conclui que a língua que se fala no Brasil é o Português.

Terceiro Período
    Este período inicia-se pela fundação das Faculdades de Letras que passam a constituir-se em espaço de pesquisa sobre questões de linguagem, o que estava ligado fundamentalmente a questões relacionadas a um padrão literário e ao ensino.
    De 1943 é o acordo ortográfico que estabeleceu a atual ortografia do Português do Brasil, com diferenças relativamente à ortografia de Portugal. Este acordo sofre uma pequena modificação em 1971. Também da década de 40 é o debate sobre que nome dar à língua falada no Brasil. Entre tantos documentos sobre esta questão, registro aqui o documento (já referido logo acima) “Denominação do Idioma Nacional do Brasil”, de autoria da comissão nomeada com esta finalidade, de acordo cm o art. 35 da Constituição Brasileira de 1946. Este documento, encaminhado ao Ministério da Educação, tem a seguinte conclusão: “A vista do que fica exposto, a Comissão reconhece e proclama esta verdade: o idioma nacional do Brasil é a Língua Portuguesa”.
    E, em conseqüência, opina que a denominação do idioma nacional do Brasil continue a ser: Língua Portuguesa.
Essa denominação, além de corresponder à verdade dos fatos, tem a vantagem de lembrar, em duas palavras - Língua Portuguesa -, a história da nossa origem e a base fundamental de nossa formação de povo civilizado.”
Em 1952 é publicada a ‘História da Língua Portuguesa’ de Serafim da Silva Neto. Com esta obra passa-se a considerar a história da língua como ligada à história política e cultural. Deste modo é uma obra que trata a Língua Portuguesa relativamente à realidade política e cultural no Brasil. Serafim dá grande importância às condições da implantação do Português no Brasil e à influência tupi no português popular do Brasil. Serafim considera que o português popular é bastante diferente aqui e em Portugal, mas considera que a língua literária tem ainda uma força unificadora entre Brasil e Portugal.
Já em 1855 é publicada “A Formação Histórica da Língua Portuguesa” de Silveira Bueno. Nesta obra, o autor apresenta, inclusive, estudo sobre a dialetação no Brasil, com a influências africanas e indígenas. Registro aqui a presença de um capítulo intitulado “A gramaticalização do Idioma”. Neste capítulo ele combate a chamada posição purista sobre a língua, que considera anticientífica.
    De 1941 é a primeira edição de Princípios de Lingüística Geral de Mattoso Câmara. A segunda edição, revista e aumentada é de 1954. Nesta obra Mattoso já mostra sua formação que inclui influência de Saussure, mas fundamentalmente de Sapir. A obra De Mattoso tem várias vertentes. Entre elas suas extraordinárias descrições do português publicadas na década de 60 e posteriormente transformadas em livro em 1970 com o nome de Estrutura da Língua Portuguesa. Registro, ainda, seus estudos sobre línguas indígenas no Brasil.
    Em 1958 foi elaborada, com patrocínio do Ministério da Educação a famosa NGB (Nomenclatura Gramatical Brasileira). Que se reduz a ser uma organização terminológica sem teoria que a sustente adequadamente. Sabe-se, no entanto, que as gramáticas escolares que se fizeram a partir daí adotam consistentemente tal nomenclatura.
    Nos anos de 1963-65 é publicado o Atlas Prévio dos Falantes Baianos, organizado por Nelson Rossi, dentro da perspectiva geográfica lingüística. 
    Em 1965 Celso da Cunha publica Uma Política do Idioma, obra que se dedica a Luís Filipe Lindley Cintra. Neste trabalho ele defende a necessidade de se buscar a unidade da Língua Portuguesa. Em 1968 publica Língua Portuguesa e a Realidade Brasileira, por outras vias reaparece a questão da unidade do português. Em 1970 ele publica sua Gramática do Português Contemporâneo, obra que aparece com certas modificações em 1985, em co-autoria com Lindley Cintra, com o seu nome de Nova Gramática da Língua Portuguesa. Lembre-se que Cintra é seu homenageado em A Política do Idioma. As gramáticas de Celso Cunha como outras adotam a NGB.
    Segundo Mattoso Câmara, nesta produção que incluímos neste terceiro período, está afastado o ideal classicista. Mas, ainda, segundo ele, fica o “ideal” de uma unidade da língua escrita. Falaremos disso novamente mais à frente.

Quarto Período
    A partir de 1965, a Lingüística passa a fazer parte do currículo mínimo dos cursos de Letras por decisão do Conselho Federal de Educação. Em 1966 é criado o curso de pós-graduação em Lingüística da USP e em 1971 o da Unicamp. Várias pós-graduações se seguem a estas sob diversas modalidades.
    Para este período, não vou me referir, dada a proximidade histórica, aos pesquisadores, mas às linhas de trabalho que vêm se desenvolvendo.
a) Trabalhos gramaticais que se dão numa perspectiva ou estrutural, ou funcional, ou gerativa. Aqui aparecem um bom número de estudos (teses, artigos e livros) que analisam vários aspectos do Português. Nestes trabalhos há um conjunto deles que se dedica a analisar a especificidade do Português no Brasil.
b) Trabalhos de semântica. Tratarei das questões semântica em trabalho específico. Registro aqui, no entanto, que a semântica só se desenvolve como disciplina e com continuidade a partir do quarto período.
c) Trabalhos de Sociolingüística tanto na linha laboviana variacionista quanto em outras perspectivas, como a interacionista. Aqui estão trabalhos que descrevem variantes regionais brasileiras, bem como a especificidade do Português do Brasil.
d) Trabalhos de Lingüística Histórica, que se desenvolvem a partir de diversas posições teóricas. Trabalhos feitos a partir da teoria da variação e da mudança, a partir do ponto de vista gerativo e a partir do ponto de vista discursivo e enunciativo. Nestes trabalhos encontram-se vários que tratam das particularidades do Português do Brasil. 
e) Trabalhos em análise do discurso entre os quais podemos incluir uma significativa produção de análise do discurso da linha francesa bem como trabalhos inspirados numa semiótica greimasiana. Incluem-se também nesta linha os estudos sobre enunciação. Aqui encontram-se trabalhos de descrição de funcionamento discursivos próprios da discursividade do Brasil.
f) Trabalhos de pragmática, análise da conversação e lingüística textual. Também nesta perspectiva são feitos estudos sobre a língua portuguesa no Brasil.
    Deste quarto período é o dicionário que se transformou no dicionário oficial do Português do Brasil, o Novo Dicionário Aurélio (1975), de Aurélio Buarque de Hollanda Ferreira. É interessante notar que ele não se dá como trabalho acadêmico. São quase inexistentes os trabalhos de lexicografia feitos em projetos acadêmicos no Brasil atualmente.

    Sobre a produção destes períodos cabem alguns comentários.
a) É interessante ressaltar que o segundo momento, na verdade aquele que primeiro traz alguma produção significativa sobre o Português no Brasil, ou ainda, aquele que funda os estudos brasileiros sobre o Português, pode ser visto  como iniciado por uma atitude de considerar certas características gramaticais  e léxicas do Português brasileiro como diferenças relativamente ao Português de Portugal. Ao mesmo tempo é interessante ver que neste período há uma grande onda purista no Brasil que procura dar como norma para a língua a gramática dos textos clássicos portugueses. Registre-se aqui a famosa polêmica entre Rui Barbosa e Ernesto Carneiro Ribeiro a propósito das correções de Rui Barbosa ao Código Civil. 
    Na verdade este é um período pontuado por esta discussão do caráter específico do Português do Brasil ou de sua não diferença com o Português de Portugal. O que ressalta nesta discussão é que ela não é, naquele momento, simplesmente uma discussão teórica e descritiva, mas é uma discussão, fortemente política e militante. Esta militância ou se dá como sustentação da independência brasileira relativamente a Portugal ou como, simplesmente, o estabelecimento da especificidade do Português do Brasil.
b) Durante os períodos segundo, terceiro e quarto podemos notar que está freqüentemente presente uma valorização dos estudos da especificidade do Português brasileiro. No quarto período considerado vemos, nos nossos diversos centros de Pós-graduação projetos de estudos do Português do Brasil. Em vista deste aspecto retomo o modo de organização histórica de nossos estudos sobre o Português em dois recortes de significação, entre outros possíveis, independentemente de época. Nesta concepção de história, a historicidade não é o tempo, mas a produção de sentido. 
    Primeiro recorte: nele se incluem estudos que visam mostrar uma especificidade do Português do Brasil em oposição ao Português de Portugal, isto feito de um modo diretamente contrastivo ou não.
    Segundo recorte: estudos feitos visando defender a unidade lingüística Portugal/Brasil. Esta posição vem freqüentemente aliada a uma atitude purista, classicista. É claro que um mesmo gramático, lingüista, filólogo pode ter na sua obra, ou num texto, a presença dos dois recortes.

    Analisemos, então, a questão, pela perspectivas dos recortes propostos.
    a) Primeiro recorte
     Aqui podemos incluir as posições, de meados do século XIX, a favor da especificidade do português brasileiro, entre elas as de José de Alencar. Incluem-se neste recorte, também, trabalhos como Vocabulário Brasileiro para Servir de Complemento aos Dicionários da Língua Portuguesa de Brás da Costa Rubim e o Dicionário da Língua Portuguesa de Antonio Joaquim de Macedo Soares, que coloca na nossa história das idéias lingüísticas a necessidade de que a língua escrita do Brasil se paute na língua oral do Brasil e não pela escrita portuguesa. Esta idéia opera fortemente em trabalhos futuros como os de Serafim da Silva Neto e Mattoso Câmara, por exemplo, bem como em trabalhos atuais sobre o português no Brasil. Ou seja, a questão de qual deve ser o parâmetro da escrita no Brasil fica posta desde este momento. Podemos incluir neste recorte as descrições do Português feitas for João Ribeiro, Said Ali, Antenor Nascentes, Mattoso Câmara, bem como os estudos de Serafim da Silva Neto, Silveira Bueno, Nelson Rossi e todo um conjunto de estudos atuais sobre o Português do Brasil (em sintaxe, sociolingüística, semântica, estudos históricos do português, análise do discurso, estudos textuais e pragmática).
 Neste recorte devemos incluir também o estabelecimento da Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB) em 1958, que se dá como uma ação do Governo Brasileiro, através de um ministério (Ministério da Educação e Cultura), com  objetivo de dar uma unidade terminológica para as gramáticas escolares no Brasil. Este movimento se dá junto com outro: os gramáticos passam a incluir na exemplificação de seus trabalhos um maior número de autores brasileiros, inclusive, autores contemporâneos.
     b)Segundo recorte
      Neste recorte estão os estudos que defendiam o modelo clássico no inicio do século XX, bem como gramáticos atuais de gramáticas escolares que ainda se pautam por dar como norma textos clássicos. Evidentemente esta posição parece bastante frágil hoje. Mas se atentarmos ainda para as discussões sobre a unificação da ortografia do Português nas quais se envolve, inclusive, a Academia Brasileira de Letras, vamos ver que há neste nível uma tentativa em tratar a unidade do português de Portugal e do Brasil, sob o pretexto da necessidade de troca cultural entre esses países (e os demais países de Língua Portuguesa). Ou seja, vemos como a questão da língua escrita é o lugar de resistência desta posição de significação política da unidade para muitos estudiosos. Poderia incluir aqui, até mesmo, um texto como o de Mattoso Câmara “Os Estudos de Português no Brasil”. Este texto participaria dos dois recortes. De um lado, desde o seu título, é uma história sobre a produção brasileira dos estudos de linguagem, e em muitos pontos valoriza o que é específico do Português brasileiro. Por outro lado ele, na sua parte final, nas suas conclusões, toma uma posição a respeito da política do idioma claramente na direção da busca da unidade em torno da língua escrita. Neste contexto ele afirma: “também se pode chegar à unidade da teoria gramatical e da nomenclatura gramatical para base do estudo e do ensino da língua literária” (Mattoso, 1972, p.227 – lembrar que o texto foi apresentado em 1966). Mas mais que isso, diz-nos ele: “Para a língua escrita e literária, impera uma norma elástica, que permite certos traços específicos para o Brasil”. A verdadeira tendência não é aqui o advento de uma nova língua literária, construída sobre a língua coloquial brasileira, exclusivamente, mas no sentido de um compromisso, por meio do qual a língua literária do Brasil fica intimamente associada à de Portugal e serve de ponte de ligação entre os dois grande dialetos, sem perder contato apesar disso com  língua coloquial dos dois países. (p227)
     A estes dois recortes parece interessante cruzar outros dois que mostrem a distinção entre uma produção que se dá sem a configuração ou filiação a um aporte teórico bem definido (que chamarei de terceiro recorte) e uma produção que se faz a partir de um aporte teórico bem definido (quarto recorte).
     Podemos observar que a produção que se pode incluir no terceiro recorte vai de trabalhos como os de Cândido de Figueiredo, João Ribeiro, até trabalhos atuais como os de Napoleão Mendes de Almeida, por exemplo. Pode-se incluir aqui, também, o estabelecimento da NGB.
     Quanto ao quarto recorte, podemos nele incluir uma produção como a de Said Ali, Souza da Silveira, Antenor Nascentes, Serafim da Silva Neto, Mattoso Câmara, até os estudos atuais em pós-graduação.
    Interessa observar que o estabelecimento claro de uma filiação teórica fazendo com que o rigor das descrições seja mais definido e maior tem um ponto de inflexão a partir do qual esta exigência se generaliza. Isto de dá no início do que consideramos o terceiro período, que se inicia no final dos anos 30. A partir daí esta preocupação teórico-metodológica se aprofunda, tal como se vê no quarto período.

    Trazendo para a reflexão, o conceito de gramatização desenvolvido por Auroux (1992), poderia dizer que, no Brasil, a gramatização se dá a partir de segunda metade do século XIX, em meio, inicialmente, a uma discussão sobre as diferenças entre o Português do Brasil e de Portugal. A gramatização brasileira do Português se dá, por um lado, como o movimento oposto ao da gramatização na Europa. Segundo Auroux a gramatização foi um modo de a Europa, o ocidente, conhecer e dominar o resto do mundo. Para o Brasil a gramatização surge como um procedimento de independência de Portugal. E se desenvolve tanto na busca de outras filiações teóricas que não as vindas através de Portugal, quanto na medida em que os estudos do Português no Brasil se dedicam a especificidades brasileiras do Português. Poderia lembrar aqui um texto de Antenor Nascentes, “A Filosofia Portuguesa no Brasil”. Neste texto é interessante ver como ele dá importância ou não a certos textos.Lembro aqui o caso de “Epítome da Gramática Portuguesa” de Antonio Moraes Silva, escrito em 1802, em Pernambuco.  Segundo Nascentes este texto “se pode considerar um livro português pois não se detém nas diferenças que já apresentava o falar do povo brasileiro” (Nascentes, 1939,23). A este livro Nascentes contrapõe um outro “Compêndio da gramática da língua nacional”, de 1835. Segundo ele este livro inicia o que considera o segundo período dos estudos filológicos no Brasil. Ao mesmo tempo ele diz do mesmo autor do “Compêndio”: Coruja, que inaugurou a nossa Gramaticografia, vai também inaugurar a dialetologia publicando em 1852 no tomo XV da “Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro” a “Coleção de vocábulos e frases usados na província de S. Pedro do Rio Grande do Sul”, que saiu em 2a. edição, em Londres, em 1856...”  (nascentes, p. 23-24). Ou seja, do nosso ponto de vista, O Epitome está no recorte dois e o Compêndio de Coruja ou sua Coleção de Vocábulos estão no recorte um, que busca a especificidade do Português do Brasil.
    Por outra parte, registre-se que a gramatização brasileira do Português se dá, a partir do segundo período de nossa periodização. Este período é fortemente dividido pelos dois primeiros recortes que estabelecemos. Ou seja, esta gramatização se dá ligada a uma militância a favor da especificidade do Português do Brasil ou contra isso e a favor do classicismo, do purismo. Isto leva a ver, então que gramatização brasileira do Português tem em si um efeito contraditório que inclui o efeito imaginário de que o Brasil não fala corretamente. De um lado, a “independência”, de outro a inferioridade como efeito ideológico da relação do brasileiro com a língua que fala e/ou escreve.
    A dominância não militante se desenvolverá a partir do terceiro período, quando cresce e passa a predominar a produção com aporte teórico-metodológico bem definido. Isto leva a uma queda da disputa pelo purismo, pelo classicismo da língua escrita. Ao mesmo tempo, a questão da unidade da língua do Brasil e de Portugal se repõe em outros termos, a partir das posições teóricas e metodológicas em prática, não desaparecendo, no entanto. 
    Neste ponto não se pode deixar de considerar a questão do estabelecimento da Nomenclatura Gramatical Brasileira. Esta ação do Estado Brasileiro se dá no movimento do recorte da especificidade, portanto, da independência do Brasil. Mas se dá, mais especificamente, como uma ação do Estado para unificar o ensino da Língua Portuguesa no Brasil. Ou seja, no processo de gramatização brasileira do português este acontecimento traz em si o movimento de afastar-se de Portugal estabelecendo uma unidade lingüística brasileira específica, distinta da portuguesa. E isto pelo estabelecimento de uma terminologia, uma metalinguagem.
    Ou seja, a gramatização brasileira do Português é, também, um modo de constituir o português como língua única e nacional. Como sabemos, as nossas escolas chegam a ensinar, ou ensinavam até bem pouco tempo, que no Brasil só se fala uma língua. Ou seja, não era só que a lei estabelecesse o português como língua nacional, e nem certo momento estabelecesse uma nomenclatura oficial brasileira. Mais que isso, o ensino apagava todas as línguas indígenas (quase duzentas) e as línguas dos imigrantes. E neste movimento ela se aproxima da busca de uma unidade de língua escrita com Portugal, mesmo hoje, em ações ligadas à política lingüística de muitos estudiosos de língua portuguesa em particular ou da linguagem em geral, no Brasil.

Notas
(1) Em sua tese de doutorado, Luis Francisco Dias se ocupa, exatamente, destes aspectos.

BIBLIOGRAFIA

AUROUX, S. (1992) A Revolução Tecnológica da Gramatização. Campinas, Editora da Unicamp.
CAMARA  Jr., J.M. (1972) “Os estudos do Português no Brasil”. Dispersos. Rio de Janeiro, FGV. 
COSTA, C. (1967) Contribuição à História da Idéias no Brasil. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.
NASCENTES, A. (1930) “A Filologia Portuguesa no Brasil”. Estudos Filológicos. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.



 
BREVE CARACTERIZAÇÃO DO PROJETO


    O objetivo do projeto é estabelecer um programa que permita desenvolver (e de certo modo, mesmo, implantar) uma reflexão que resulte em uma nova forma de conhecimento sobre a história das  idéias lingüísticas visando:
    1. A construção do português-brasileiro como língua nacional, avaliando os três modelos possíveis: a) o absolutista, b) o da língua literária, e c) o comunitário;
    2.  A história da constituição de um saber metalingüístico em um meio oral, escrito e multilíngue, sob a influência da  tradição ocidental. Faz também parte desse objetivo a elaboração de uma tecnologia de pesquisa que considera os instrumentos lingüísticos – dicionário, gramática, etc – como extensões da relação do falante com a língua. O conhecimento a ser produzido concerne os campos da Análise do Discurso, da Literatura, da História das Ciências e da Epistemologia dos Estudos da Linguagem.
   
    A história da constituição de nossa língua nacional não teve ainda no Brasil, de forma sistemática, estudos que ingressem, como é o caso do presente projeto, tanto conhecimentos sobre características da língua (dada sua relação com as outras suas concorrentes, no caso do português de Portugal, as línguas indígenas e as dos grandes movimentos imigratórios) como estudos históricos: análise de relatos de viagem em que estão inscritos “dados” das línguas, documentos oficiais, acordos, criação de academias, história da produção das gramáticas, de vocabulários, de dicionários e outros artefatos que configuram, para o falante, a relação com a “sua” língua, assim como textos diversos concernentes à constituição histórica do ensino da língua nacional no Brasil. São cruciais questões a respeito da diferença entre o português do Brasil e o português europeu pensada em termos de diferentes gramáticas, a relação entre a escrita e a oralidade em nossa história, assim como o reconhecimento do que Guilhaumou chamou a história dos “acontecimentos lingüísticos”: que acontecimentos lingüísticos definiram nossa relação com a língua e ao mesmo tempo definiram nossa história? Desse modo, faz parte de nossa pesquisa estudar como a disputa por uma gramática e por uma literatura se articula ao projeto de organização da “nação” brasileira. Com efeito, quando pensamos a língua nacional não pensamos a história das gramáticas em si mas, pela análise de discurso (os dicionários, as gramáticas, os catecismos bilíngües são discursos) pensamos a construção de um imaginário lingüístico que faz parte da definição do brasileiro (com uma língua, um rosto, uma presença jurídica institucional específica). Ao mesmo tempo aliamos ao estudo dos processos de constituição da língua nacional aquele que incide sobre a produção de um conhecimento sobre a língua, a formação do saber metalingüístico, como parte constitutiva dessa história, o que nos permite uma perspectiva crítica:o conhecimento da língua e o conhecimento sobre a língua são nossos objetos de reflexão. Deste modo pensamos produzir subsídios para que os que trabalham com a descrição do português que terão a sua disposição o conhecimento sobre a formação do português do Brasil como a língua nacional. Incluindo a questão da produção de conhecimento lingüístico e da constituição da língua nacional no contexto mais amplo latino-americano, também faz parte dessa reflexão a constituição do imaginário rioplatense na Argentina, do guarani no Paraguai, do paradigma literário no espanhol (o estatuto das Antologias).




PUBLICAÇÕES

AUROUX, S. (1992) A Revolução Tecnológica da Gramatização. Campinas, Editora da Unicamp.
AUROUX, S. (1994) “A Hiperlíngua e a Externalidade da Referência”, in Eni Orlandi (org) Gestos de Leitura. Campinas, Editora da Unicamp.
BORGES, L.C. (1993) “O Nheengatu na Construção de uma identidade Amazônica” Mimeo.
GUILHAUMOU, J e MALDIDIER, D. (1989) “Da Enunciação ao Acontecimento Discursivo em Análise do Discurso”, in E. Guimarães (1989)
GUIMARAES, E. (1989) História e Sentido na Linguagem. Campinas. Pontes
GUIMARAES, E. (1992) “A Lingüística é uma Ciência Histórica?” in Michel Bréal Ensaio de Semântica. Campinas. Pontes/Educ.
GUIMARAES, E. (1992a) “Pequena História e Cronologia” in Michel Bréal Ensaio de Semântica. Campinas. Pontes/Educ.
GUIMARAES, E. (1992b) “Terra de Vera Cruz, Brasil” Vozes, v.86, n.4, Petrópolis.
GUIMARAES, E. (1993) “Independência e Morte” in E. Orlandi (1993c)
GUIMARAES, E. (1994a) “Sinopse sobre os Estudos Do Português no Brasil” Relatos,1. Campinas. Unicamp.
GUIMARAES, E. (1994b) “Notas sobre a Semântica no Brasil” Mimeo.
LUIS, C.R. (1992) “Incoincidencias: Valdez Nebrija”. Signo e Seña, 1. Buenos Aires
MARIANI, B. (1993) “Os Primórdios da Imprensa no Brasil (ou: de como o Discurso Jornalístico Constrói Memória)”, E, Orlandi (1993c)
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NUNES, J.H. (1993) “Manifestos Modernistas: a Identidade Nacional no Discurso e na Língua”, in E Orlandi (1993c)
NUNES, J.H. (1994a) “Processus de Litteralisation dans l’Art de J. de Anchieta”, Histoire, Epistemologie, Language. Paris.
NUNES, J.H. (1994b) “A Gramática de Anchieta e a Noção de Incorporação”, Mimeo.
ORLANDI, E. P. (1990) Terra à Vista. São Paulo, Cortez/ Editora Unicamp
ORLANDI, E. P. (1993a) “O Discurso dos naturalistas” Vozes. V.90, n.1, Petrópolis.
ORLANDI, E. P. (1993b) “A Língua Brasileira” Boletim, 14.ABRALIN
ORLANDI, E. P. (org) (1993c) O Discurso Fundador. Campinas, Pontes
ORLANDI, E. P. “A Natureza e os Dados” Caderno de Estudos Lingüísticos, no prelo.
SERRANI, S.M. (1993) “Ressonâncias Fundadoras e Imaginário de Língua” in E, Orlandi (1993c)
SOUZA, T.C.C (1994) Discurso e Oralidade. Um Estudo de Língua Indígena. Tese de Doutorado, DL-IEL, Unicamp
SOUZA, P. (1994) “A Questão da Mudança Lingüística”. Mimeo
TARALLO, F. (1993) “Diagnosticando uma Gramática Brasileira: o Português d’Aquém e d’Além –mar ao Final do Século XIX”. Português Brasileiro. Campinas, Editora da Unicamp

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CONGRESSOS E CONFERÊNCIAS


CHEVALER, J.C. (1994) “Le role dês congrès dans le developpement de la linguistique”, texto apresentado na mesa-redonda “A História das Idéias Lingüísticas”, Congresso Internacional da ABRALIN, Salvador.
GALLO, S. (1991) “O Ensino da Língua Materna no Brasil do Século XIX: a Mãe Outra”, apresentado no colóquio “Citoynneté au XIXe. Siècle au Brésil et en France” Universidade de Paris VII.
INDURSKY, F. (1993) “Norma Culta e Língua Nacional”. Casa da Leitura, fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.
LAJOLO, M. (1991) “Imagens da Oralidade no Romance Brasileiro do Século XIX”, apresentado no colóquio “Citoyenneté au XIXe. Siécle au Brésil et en France”, Universidade de Paris VII.
MARIANI, B. (1992) “As Academias no Brasil”, texto apresentado na mesa-redonda “A História das Idéias Lingüísticas no Brasil”, Porto Alegre, ANPOLL
MARIANI, B. e SOUZA, T.C.C. (1991) “1822, A Pátria Independente: Novas Palavras”, apresentado no colóquio “Citoynneté au XIXe. Siècle au Brésil et en France” Universidade de Paris VII.
MARIANI, B. e SOUZAA, T.C.C. (1989) “Os Acordos Ortográficos”, texto apresentado no Encontro de Lingüística, Rio de Janeiro, PUC.
ORLANDI, E.P. (1992a) “A Língua Brasileira”, texto apresentado na mesa-redonda “Culturas em Contato”, São Paulo, USP, SBPC, ABRALIN.
ORLANDI, E.P. (1992a) “A Imagem da Língua na Construção Imaginária das Idéias Lingüísticas no Brasil” Porto Alegre, ANPOLL.
ORLANDI, E.P. (1992a) “A Língua Brasileira”, comunicação no simpósio de Sociolingüística, Lancaster, Inglaterra.
ORLANDI, E.P. (1992a) “A Língua Brasileira”, conferência na Universidade de Lausanne, Suíça.
ORLANDI, E.P. (1992a) “A Natureza e os Dados”, conferência na Universidade de Lausanne, Suíça.
SERRANI, S.M. (1992) “A Imagem da Língua no Espanhol Rioplatense”, texto apresentado na mesa-redonda sobre “A História das Idéias Lingüísticas no Brasil”, Porto Alegre, ANPOLL
TARALLO, F. (1991) “Diagnosticando uma Gramática Brasileira: o Português d’Aquém e d’Além –mar ao Final do Século XIX” texto apresentado no colóquio “Citoynneté au XIXe. Siècle au Brésil et en France” Universidade de Paris VII.
 


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