APRESENTAÇÃO: MAXIMINO
E UM POUCO DE HISTÓRIA
O texto de Maximino Maciel que
reproduzimos neste número 3 de Relatos é considerado o primeiro
que escreveu sobre a história dos estudos do Português no Brasil.
Ele aparece na sua Grammatica Discriptiva em 1910. como se sabe, e se verá
nos apêndices que aqui se reproduzem, Maximino publicou em 1887 sua
Grammatica Analytica que, transformada, foi reeditada em 1894, e daí
em diante com o nome de descritiva.
A posição de Maximino já dá
conta de uma intensa produção de estudos do português
no Brasil, entre eles de um conjunto de gramáticas que se fizeram
a partir dos anos 80 do século XIX. É uma análise do
momento em que, do nosso ponto de vista, se dá a gramatização
brasileira do português.
Maximino nos mostra, entre outras coisas, que estes
estudos do português são feitos por um grupo de lingüistas
que, em torno das atividades do colégio Pedro II, se empenharam em
modificar os estudos sobre o português, procurando desvencilhar-se
da influencia direta de Portugal. Deste modo, tal como se dava na vida intelectual
de então, o Brasil abriu-se na procura de outras filiações
teóricas que não as vindas através da antiga metrópole.
A representação deste grupo se estabelece na instituição
escolar brasileira. É assim que o Inspetor da Instituição
pública solicitou que um dos mestres do Pedro II, que de algum modo
nuclearizava o grupo, apresentasse um programa a ser seguido para os exames
preparatórios. Este programa, organizado por Fausto Barreto em 1887,
motiva o aparecimento de várias gramáticas no curso de gramatização
brasileira do português. São deste momento, sem dúvida
decisivo neste processo da gramatização, as gramáticas
de Alfredo Gomes, João Ribeiro e Pacheco Silva e Lameira de Andrade,
“pelas quais, segundo palavras de A. Nascentes, tantas gerações
aprenderam”.
O texto de Maximino tem assim uma importância
como documento de um momento que ele presenciou. Mas, mais do que isso,
ele traz uma reflexão capaz de ajudar a estabelecer as condições
em que a gramatização brasileira do português se deu.
E o que aí já se pode ver é que ela se constitui como
parte de uma posição intelectual que buscava uma caracterização
do Brasil como distinto de Portugal
Maximino de Araújo Maciel é sergipano
de Rosário, onde nasceu em 20 de abril de 1866 (há registros
que dão seu nascimento em 1865). Fez seus estudos preparatórios
no Ateneu Sergipense. Mudou-se para o Rio onde fez o curso de Direito de
1890 a 1894 e depois o de Medicina de 1896 a 1901. Exerceu a medicina e lecionou
no Colégio Militar para o qual foi nomeado catedrático de
Português em 1893. Faleceu no Rio de Janeiro em 1923.
Campinas, maio de 1996.
Eduardo Guimarães
BREVE RETROSPECTO
SOBRE O ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA.
MAXIMINO MACIEL
Ao publicarmos em 1887 a nossa Grammatica Analytica, assegurávamos
que a sciencia da linguagem atravessava uma época de transição.
De facto, a orientação
e o methodo que nos norteavam no aprendizado das línguas, nol-os
dictavam os antigos grammaticos portuguezes Soares Barbosa, Bento J. de
Oliveira, Lage e outros.
Conquanto tambem trabalhos nossos houvesse
de certo valor, como os de Sotero dos reis, freire (de S.Paulo) Soares Passos,
Grivet, Pe. Duarte, Gentil Ibirapitanga, Pe. Massa, entretanto se adscreviam
ao criterio philologico de então, em que dos factos da lingua se
divorciavam as doutrinas grammaticaes.
Nas provincias então jazia o
ensino da lingua portugueza na maior immobilidade, salvo no Maranhão
em que pontificava Sotero dos reis e na Bahia o Dr. Ernesto Carneiro, embora
os trabalhos que elaborassem se não houvessem de todo desligado dos
moldes dos autores portuguezes, de onde nos advieram, por assim dizer, os
lineamentos geraes a que obtemperava o methodo adoptado.
Entretanto, aqui na Capital, já
começavam a esplender as primeiras manifestações do
criterio philologico, o methodo historico comparativo, applicado á
aprendizagem das linguas , com especialidade as da vernacula.
Tornara-se o Collegio de Pedro II o centro de que se ia
irradiando a nova orientação cujos albores se vislumbravam
nos concursos de linguas a que affluiam candidatos aquém eram
familiares as doutrinas de Max Muller, Miguel Bréal, Gaston Paris,
Whitney, Littré, Darmesteter, Ayer, Brunot, Brachet, Fréderich
Diez, Bopp, Adolpho Coelho e outros, principalmente a dos autores allemães
em que se estavam haurindo os elementos primordiaes para esta verdadeira
Renascença dos estudos philologicos no Brasil.
Os espíritos dir-se-ia que acordavam
para transfundir na linguistica o criterio experimental e positivo, rompendo
de vez com a tradição e rotina, immobilisadas na deficiencia
de incentivo, apesar da nova orientação que se vinha impondo
aos poucos que se dedicavam a esses estudos.
Certo que por esse tempo já
Pacheco Junior publicára os seus primeiros trabalhos, as primicias
do seu talento, e no Pedro II sobrelevava na cathedra de portuguez o Sr.
José M. Nunes Garcia que, embora de renome, nada nos legou, salvo
trabalhos de compilação, exerptos de pouco valor, cellectaneas
de escriptos classicos, sem quaesquer annotações, nos quaes
não se descobria o menor espirito de systematização
doutrinaria.
Os seus trabalhos, os seus esforços
foi isso que se perderam; não repercutiram, como seria de esperar,
no aprendizado da lingua portugueza, pois não contribuiram para lhe
nortear o ensino.
Mais ou menos por esta época
apparecera a Grammatica de Julio Ribeiro, baseada nos trabalhos dos philologos
allemães, inglezes e francezes. Tão de perto se lhes abeirava,
porém, que se diria antes uma adaptação á lingua
vernacula do que um trabalho onde transluzissem, com a individualidade do
autor, os seus processos, os seus methodos, enfim norteação
propria, oriunda de um trabalho de assimilação. Até pontos
havia em que o Sr. Julio Ribeiro se adscrevia a transcrever, quase ipsis
verbis, para o vernaculo, as novas doutrinas dos autores estrangeiros, de
Guardia, de Mason, de Bergmann. Além disso, resumbrava-lhe do estylo
certo gráo de frouxidão e obscuridade; do methodo, certa desorientação:
e, quando á syntaxe, ao envez de exemplos hauridos aos monumentos
literarios, dava-lhos elle proprio, quase sempre.
O que se nos afigura é que se
apressurou o Sr Julio Ribeiro a de chofre quebrar rotina, fosse como
fosse, embora ainda não houvesse assimilado o quanto lera nos philologos
estrangeiros.
Entretanto, remanesce-lhe de certo
o merito de haver sido o primeiro a trasladar para compendio didactico a
nova orientação, evertendo os alicerces da rotina e servindo
de norma para algumas Grammaticas que se publicaram em S. Paulo.
Nestas condições, o que
se averigúa é que por esta época já muitos professores
que se norteavam pelos philologos estrangeiros, iam evangelizando, quer
na docencia particular, quer em publicações esparsas, as novas
doutrinas, desbravando-lhes o terreno onde se tinham de architectar os novos
estudos.
A este grupo se filiavam Fauto Barreto,
Hemeterio dos Santos, Alfredo Gomes, Silvio de Almeida, em S. Paulo, João
Ribeiro, Pacheco Junior, Lameira de Andrade, Said Ali, Ventura Boscoli,
Verissimo Vieira, Vicente de Souza, Paranhos de Macedo, Aureliano Pimentel
e outros.
Mas no vetusto arcabouço das doutrinas de então
foi Fausto Barreto quem de vez e definitivamente vibrou o golpe de morte,
porphyrizando-as por incompativeis com o gráo da nova cultura philologica.
Tornou-se pois Fausto Barreto o centro
de onde se irradiaram os delineamentos geraes, o trabalho de synthese das
novas acquisições phlilologicas, adscriptas ao ensino da língua
vernácula.
Havendo-se especialisado nos estudos
de humanidades, mormente nas linguas novi-latinas e tendo perlustrado a
Historia Natural no curso de medicina que deixou no 5o anno, convenceu-se
de que ás linguas, como organismos, se lhes deveria applicar o methodo
positivo das sciencias biologicas.
Assim em 1870 annotou elle a Theoria
da Conjugação de Adolpho Coelho e, nos seus dous concursos
ao Pedro II, dissertou, consoante ao novo aspecto phlilologico, sobre Archaismos
e Neologismo no primeiro, e Themas e Raizes no segundo.
Nomeado cathedratico do Collegio Pedro
II e depois da então Escola Normal, ascendera á culminancia
do magisterio official, de onde poderia definitivamente diffundir e firmar
as novas doutrinas; e, com exito mais do que todos, orientar o ensino da
lingua vernacula.
Constituindo-se o centro de rehabilitação
do ensino da lingua, apercebeu-se com as lições d’elle, além
de muitos outros, uma pleiade de moços, hoje conceituados professores
e escriptores, em cujo grupo sobrelevam Pinheiro Guimarães, Floriano
de Brito, José Piragibe, Paranhos da Silva, Osorio Duque Estrada,
Vicente Piragibe, Theodoro Magalhães e outros.
Comquanto neste pé jouvesse
então o estudo da lingua no Pedro II, na Escola Normal e na mor parte
dos Institutos particulares daqui do Rio de Janeiro, entretanto imprescindia,
quanto antes, expungir-lhes os velhos defeitos e remodelar o aprendizado
de humanidades, conferindo-lhe orientação nova, mais segura,
mais consentanea com as necessidades da época.
Entrementes, o Dr. Emygdio Victorio,
Director Geral que era da Instituição Publica, ao envez do
que até então se praticava, commetteu a profissionaes, a professores
competentes, o desempenho da proficua tarefa de remodelar o plano do ensino
de preparatorios, sendo escolhido para elaborar o das linguas, maximè
o da vernacula, Fausto Barreto a quem por portaria de 5 de abril de 1887
agradeceu o Governo.
O que foi este programma, a influencia
que exerceu, o effeito que produziu pela orientação que paleava,
desviando o álveo do curso das linguas, agitando questões
a que se achavam alheios muitos docentes, é mister assegurarmo-lo:
assignalou nova época na docencia das linguas e, quanto á
vernacula, a emancipava das retrogradas doutrinas dos autores portuguezes
que esposavamos.
Não havendo compêndios
que se adscrevessem á nova orientação, foi então
que Pacheco e Lameira, João Ribeiro e Alfredo Gomes, nomes já
laureados no magisterio, tiveram de escrever suas grammaticas, versada no
programma que Fausto Barreto traçara, no qual de todos se revelavam
o espirito de syntese, o criterio philologico e o novo rumo que nos importava
trilhassem o ensino e estudo da lingua portugueza.
A este programma cujos dizeres até
hoje servem de títulos ás doutrinas dissertadas nas alludidas
Grammaticas, é que se subordinaram a orientação e a
reforma do ensino da lingua vernacula.
No prefacio da 1ª edição
de sua Grammatica os proprios Lameira e Pacheco declaravam que de ha muito
emprehenderam publicar um trabalho rompendo com a tradição;
mas “o novo programma para exames geraes de preparatórios, sentenciavam
elles, veiu fazer-nos mudar de propósito”.
Por esta occasião vínhamos
nós de apparecer com o publicar o nosso modesto trabalho, Grammatica
Analytica, na qual, embora collaborassemos para quebrar a tradição,
no emtanto sobrelevavam defeitos e senões, porquanto, além
da nossa pouca idade, trazíamos apenas o preparo que hauríramos
em nosso Estado, Sergipe.
De mais, as doutrinas modernas contrastavam
com as antigas, claudicavamos na collocação de pronomes, incidindo
em dyssynclises, como quase todos os escriptores e publicistas de então,
até que lograssemos estatuir as bases deste importante instituto
syntactico.
Além e haver traçado
o programma, prestava também ao ensino inestimavel serviço
Fausto Barreto, publicando com Vicente de Souza a Seleção
Literaria, em cujo prologo se nos deparava uma apreciação
succinta sobre os novos moles a que tinham de obedecer a classificação
das proposições e a analyse relacional.
Este seu trabalho, actualmente refundido
com o concurso do erudito e insigne escriptor Carlos de Laet, não
ha quem, professor de linguas, hoje o desconheça, porquanto, além
dos trechos magistralmente selectados, traz sobre cada escriptor, succinta
noticia histórica e literaria. Desta fórma, com aprender a
lingua, vão conhecendo os alunnos os vultos mais proeminentes das
literaturas brasileira e portugueza, ao menos quanto á parte critica
e descriptiva, bastando apenas ao professor elucidar a parte geral, a propedeutica
da literatura brasileira, cuja systematização se deve a Sylvio
Roméro.
É de imprescindivel justiça
confessarmos que, muito anteriormente ás grammaticas de Alfredo Gomes,
Pacheco e Lameira e João Ribeiro, já havia Hemeterio dos Santos
elaborado uma Grammatica elementar em que, nas suas linhas geraes, se esboçavam
com segurança as novas doutrinas philologicas, applicadas á
discencia do vernaculo.
Este seu trabalho, hoje augmentado,
refundido com o titulo de Grammatica Portugueza, publicado em 1907, constitue
um dos nossos excellentes compêndios de lingua portugueza, reflexo de
erudição do autor na materia.
A estas publicações seguiram-se
as do Professor Ventura Boscoli que, além de nos haver dado a Ortographia
e Analyse Phonetica de collaboração com Pacheco Junior, escreveu
a Grammatica da Puericia e a Grammatica Portugueza, o seu principal trabalho.
Quanto a esta, releva consignarmos
que seguiu a orientação de Julio Ribeiro, entremeada com opiniões
de nós outros, como elle proprio deixa transparecer.
O que porém sobresae neste seu
trabalho é o exagero, o rigorismo etymologico a que se apega nas
graphicas vocabulares, peccando por este lado, a nosso ver, pois, evolvendo
a lingua, emquanto organismo, não póde ficar assim adstricta
á immobilidade do passado.
Como quer que seja, as obras didacticas
do Prof. Boscoli têm valor e não as poderíamos olvidar
nesta ligeira noticia.
Outrossim comparticipou grademente
na orientação dos nossos estudos linguisticos o Sr. Prof.
Said Ali. Além de varios trabalhos, amparados na sua extensa cultura
philologica , nos publicou, fructo de pesquizas proprias, compaginados em
volume de cerca de 200 paginas, sob o titulo de Difficuldades da Lingua
Portugueza, excellentes artigos em que deslinda factos controversos, com
opinião pessoal.
Dentre as grammaticas que se abeiraram
á orientação do programma de Fausto Barreto, duas lograram
sucessivas edições, tornaram-se obras larga e geralmente solicitadas:
a de João Ribeiro e a de Alfredo Gomes, por isso que, por serem dous
nomes conceituados, lhes acceitaram desde logo os professores os trabalhos,
adaptando-os, reservando o de Pacheco e Lameira apenas para consulta.
Quanto a Alfredo Gomes, limitaram-se
á Grammatica Portugueza e á Franceza os seus principaes trabalhos
didacticos, embora tenha ella varias vezes discutido, na imprensa e em publicações
esparsas, pontos de linguistica com aquella erudição e criterio
que lhe reconhecemos.
Houve pois com a publicação
do programma de 1887, uma como Renascença dos estudos da lingua vernacula:
na imprensa, na docencia particular se aclaravam, se discutiam os factos
da lingua á luz das novas doutrinas.
Surgira um periodo de disciplina grammatical
em que, uns na imprensa, outros no magisterio, outros com seus trabalhos,
excelliam Fausto Barreto, Alfredo Gomes, Hemeterio dos Santos, João
Ribeiro, Pacheco e Lameira, Ventura Boscoli, Said Ali, Verissimo Vieira,
Conego Evangelista Braga, Silvio de Almeida, o eminente philologo e eximio
prosador, como nol-o attestam, além do seu livro – O Antigo Vernaculo,
os seus trabalhos na imprensa paulistana.
Da capital, em que se focalisava todo
o movimento, se irradiavam as Estados as novas doutrinas, principalmente
nas Grammaticas de Alfredo Gomes, Pacheco e Lameira, João Ribeiro
e igualmente em a nossa Grammatica Analítica que logrou ser por algum
tempo adoptada no então Collegio Pedro II e na Escola Normal, antes
de haver Alfredo Gomes attingido a cathedratico.
Assim se diffundiram as novas doutrinas:
nos Estados, nos diversos institutos officiaes ou particulares, quando para
seus programmas se não transladavam, ipsis verbis, os dizeres do
pragramma de 1887, se lhe obtemperava, no âmago, em syntese, a orientação
que delineara.
Creado o Collegio Militar, tornou-se
desde logo um dos Institutos em que o ensino da língua obtemperou
ao criterio historico e comparativo, transluzindo nos programmas das linguas
o influxo das doutrinas modernas.
Desse modo tambem ahi se aprimoraram
talentos juvenis, que hoje occupam posições sociaes; alguns
até actualmente ha, nossos collegas, exímios sabedores da
lingua vernacula, como Daltro Santos e outros cuja orientação
philologica devem ao aprendizado do Collegio.
Realizara-se portanto a remodelação
geral da grammatica: expungiram-se-lhes os defeitos e a metaphysica da escola
de Soares Barbosa, Bento José de Oliveira, Lage, Sotero dos Reis,
Freire (de S.Paulo), Soares Passos e outros, escola a que chamamos classica
em contraste á actual a que conferimos o titulo de positiva, por isso
que, conforme o criterio em que se inspira, estudamos a lingua vernacula,
como phenomeno natural, experimentalmente; como organismos, adstricto a evolver,
a offerecer metabolismo glottico, cujos phenomenos se tornam susceptiveis
de systematização em corpo de doutrina.
Em 1903, com surpresa nossa, surgiu-nos
pelas columnas do Correio da Manhã uma série de artigos versantes
sobre philologia, deslindando factos syntacticos da lingua; subscrevia-os
o Sr. Dr. Heráclito Graça, sob a rubrica de Notações
philologicas.
Visavam estas notações
principalmente, conforme o declarou o proprio autor, confutar algumas opiniões
e sentenças do Sr. Candido de Figueiredo, dadas a lume no Jornal
do Commercio, sob o título: ”O que não se deve dizer” e nos
tres volumes das Lições praticas da lingua portugueza.
Grande influencia exerceu, nas rodas literárias,
este excellente trabalho do Sr. Dr. Heráclito Graça, pois,
além da dicção escorreita em que redigiu, houve por
effeito rebater os conceitos do Sr. Candido de Figueiredo que se arvorara
em mentor de nós outros, explanado ás vezes factos da lingua
sem o verdadeiro criterio, e documentação precisa de que se
ha mister nestes trabalhos.
É pois as Notações
do Sr. Dr. Heráclito Graça, procurando, como disse elle, “o
fio do labyrinto da sciencia da linguagem”, lograram phorphyrisar a maior
parte das asserções e opiniões do Sr. Candido de Figueiredo.
De todos os livros, porém, os
que mais concorreram para disseminar e vulgarizar as novas doutrinas foram
os de João Ribeiro, mercê do merito dos seus trabalhos. Além
disso os divulgou o editor que acertou de escolher, um dos mais reputados
e mais habeis na propaganda de seus trabalhos didacticos, o Sr. Francisco
Alves e Cia a quem neste particular sobremodo devem as letras patrias.
O que porém notamos nas grammaticas
de João Ribeiro, no seu Diccionario Grammatical, nas Frases Feitas,
é que, apesar de ostentarem bastante erudição, lhes
fallece o espirito de synthese, de coordenação systematica:
são mais trabalhos de muita leitura, de inimitavel paciencia , de
acuradas investigações philologicas, esparsas com o objectivo
de documentar o quanto se assevera o autor.
Seja como for, João Ribeiro
foi sempre um analysta e, não obstante um dos nossos mais insignes
philologos, nunca nos apresentou uma theoria, um corpo de doutrina em que
nos transparecesse o cunho de sua individualidade.
No mesmo anno em que nos prendava o Dr Heraclito Graça
com as suas Notações philologicas, actualmente compaginadas
em volume com o titulo de Factos de Linguagem, nos appareceu Mario Barreto
com o opusculo – Estudos da lingua portugueza, prefaciado por João
Ribeiro. Este trabalho, além de vir firmado por um nome de tradição
no magisterio, mereceu os elogios de Heraclito Graça, Sylvio de Almeida,
Osorio Duque Estrada e a carta de Ruy Barbosa.
Todos que, de certo modo, contribuiramos
para romper a antiga tradição, houvemos por finda a nossa
missão e retrahimo-nos adstringindo-nos apenas para acompanhar as
nossas obras, deixando a arena para os novos, afim de prosseguirem na rota
que collimámos.
Desse modo, já nos não
assiste outra tarefa que, á lezira do alveo por onde alluviaes e
impetuosos torrencêam os factos da lingua, descançarmos a observal-os,
afim de, apprehendendo-os e transcoando-os á luz de analyses, caldeal-os
e transfundil-os no corpo das doutrinas, de ha muito consolidadas.
Assim é que os hermos de transmittir aos que, no
turbilhão da vida, nos vão substituindo e succedendo, aos
posteros para quem, já de acinte, já por indifferença,
se não anda a descurar a formosa lingua dos nossos avoegos.
Ao scientista só lhe cabe esta
missão; mas, quando lhe é mister, embora de vôo, contrastear
trabalhos alheios, comprehende-se quão difficultosa e arriscada se
lhe afigura a tarefa de haver de acrisolar meritos, acendrar competencias,
alcandorar ou afundir reputações, maximè dos vivos,
com a acescencia das paixões, que não é só aos
mortos a que se tenha de applicar a sentença de Bossuet, isto é,
a quem se deva a verdade.
Mas até aqui poucos ou quasi
nenhuns, que nos conste, se têm consagrado a estes estudos, salvo Mario
Barreto a cujo trabalho principal nos já referimos. De tres annos,
nos tem elaborado elle interessantes monographias amparadas por citações
dos melhores autores e consolidadas nos textos da lingua, em basta e criteriosa
documentação.
Assim, entre outras lhe destacamos
as seguintes que versam sobre Acentuação tonica, Ortographia,
artigo em prol da simplificação graphica conforme as bases
de Gonçalves Vianna, Genero, Observações sobre os graus
de comparação, Conjugação, erros de conjugação
e de pronuncia, uso improprio de algumas fórmas verbaes. Mudança
de significação das palavras, Extravagancias da linguajem,
Etimologia popular e Confusão de paronimos. A concordancia grammatical,
Casos curiosos de regencia, Atração e Anacoluto (1). Como
se vê, tem-se innegavelmente distinguido Mario Barreto como um dos
moços mais versados na lingua vernacula, nas questões de philologia
em geral, concorrendo para abrilhantar o magisterio, offertando-nos de quando
em quando fructos sazonados do seu talento.
Na succinta resenha que esboçamos
attinente ao movimento philologico entre nós, é possível
que hajamos omittido alguns dos obreiros que de algum modo tenham collaborado
na reforma do ensino da lingua vernacula.
Seja como for, sendo este o historico
nas suas linhas geraes, afigura-se-nos havermos exposto os factos com imparcialidade
e animo desprevenido, esforçando-nos tão somente para nos
appropinquar, tanto quanto possível, aos dictames da verdade.
Por isso, alguns autores, si os houver,
a cujas obras, tresmalhando-se-nos, foi impossivel alludir, ao menos de
vôo confiamos sejam só quem pretextos, mas não motivos,
busquem de nos insimular de parciaes, visto que nos parece só transverberarem
justiça e verdade de nossas asserções respeito ao ensino
da lingua, de ha uns poucos de annos apenas accommodada ao criterio philologico,
historico-comparativo.
Rio de Janeiro, I de Novembro de 1910.
(1) Na enumeração
dos trabalhos do nosso distinto collega Mario Barreto, respeitamo-lhes a
graphicam porquanto segue elle o systema de Gonçalves Viana, tendo
sido o primeiro a adoptal-o.
Quanto á graphica phonetica que antes perturba
do que regularisa e facilita o ensino da lingua, ser-nos-ia motivo de júbilo
e de alviçareiras prolfaças para as nossas letras, si talento
de escol, como Antonio Austregesilo, o proprio Mario Barreto, Pinheiro Guimarães,
Conego Evangelista Braga e alguns outros renunciassem a esta graphica subversiva,
deixando-a apenas para alguns senhores da Academia de Letras.
Como bem pondéra o Dr. Ramiz Galvão, constitue
este phonetismo “um retrocesso á infancia da lingua sob pretexto
de simplifical-a”.
Nestas condições nos publicou elle o Vocabulario
etymologico, orthográphico e prosodico, como solene protesto aos
desmandos da reforma orthographica, inopportunamente emprehendida pela Academia
de Letras. Ahi alguns senhores presumiram influir nos destinos da lingua
vernacula, embargando-lhe a evolução natural, desmudando-lhe
a physionomia, retrocedendo-lhe a marcha ao periodo de indisciplina scientifica,
de anarchia graphica, anterior aos seculos XV, XVI, XVII, antes de se lhe
haverem polido, aperfeiçoado e fixado as fórmas vocabulares,
lenta e gradualmente, como sóe ocorrer a todas as linguas cultas.
PRÓLOGOS
À GRAMMATICA DESCRIPTIVA - PRÓLOGO DA 2ª EDIÇÃO
Em 1887, embora no verdôr dos nossos annos, publicamos o nosso primeiro
trabalho – GRAMMATICA ANALYTICA em que, baseando-nos nas doutrinas modernas,
concorremos de algum modo para romper com a velha tradição,
quebrando os antigos moldes em que se vasava a grammaticographia.
É certo que esse trabalho nosso a que alludimos,
posto que houvesse sido acceito pelos competentes e exaltado pela imprensa,
se resentia de muitos defeitos, devidos á transição
em que se achavam as doutrinas d’então.
Além disso, nós o escrevêramos
baseados mais no que haviamos lido do que na observação e
na experimentação dos phenomenos da lingua, de sorte que actualmente
discordamos de alguns pontos, graças á longa pratica do magisterio
em que consolidamos o que sabiamos e adquirimos o que hoje se acha exarado
no corpo dessa GRAMMATICA DESCRIPTIVA.
A nós, mas aos competentes, não nos cabe
ajuizar do merito do nosso trabalho, porém verá o leitor que
as questões mais importantes da lingua se acham expostas, de modo,
por assim dizer, novo, de accordo com o que mais recentemente se tem publicado
sobre philologia.
A nossa grammatica póde não prestar;
mas a orientação é inteiramente differente do que se
tem publicado sobre grammatica portugueza. A maior parte dos pontos, quasi
toda a doutrina, está consolidada por autores de nomeada.
Assim procedemos, porque a probidade scientifica aconselha
citar-se um autor, desde que lhe estejemos de accordo com as opiniões
attinentes a um ponto, para mostrarmos as fontes a que recorremos.
Este é e ha de ser o nosso proceder, sempre que houvermos de escrever
sobre qualquer assumpto.
Apesar porém do grande numero de obras citadas,
parece-nos que se não perdeu a nossa individualidade nesse compendio,
porque á doutrina assimilada juntamos as nossas observações
proprias, como verão os competentes.
A syntaxe mereceu-nos attenção por ter
sido uma das partes mais descuradas; assim se acha desenvolvida tanto quanto
nos permittiram as nossas investigações e ao mesmo tempo exemplificada
mediante classicos e estylistas de nota.
Rarissimos são os exemplos nossos e esses poucos
devidos ao trabalho ímprobo de estarmos folheando escriptores para
colher o exemplo adequado, de modo que a nossa syntaxe está de accordo
com os monumentos da lingua.
É um dos maiores defeitos e até falta
de criterio formular o autor a regra e fazer o exemplo, o que largamente tem
contribuido para o divorcio entre a grammatica e os phenomenos da lingua,
quando aquella deve ser o codigo, o registro em que se achem consignados.
Esta grammatica nada tem com a outra, serve apenas
de um como protesto aos que injusta ou justamente nos criticaram, até
mesmo sobre pontos de que já nos haviamos occupado em outras publicações
posteriores ao nosso compendio de 1887.
Tudo progride e errare humanum est.
Si neste ainda ha senões, si as doutrinas não
são as verdadeiras, exerça a critica o seu direito e dever,
pois nos havemos de corrigir e curvar sob o peso da verdade.
Restar-nos-á sempre o lenitivo, o incentivo
de haver concorrido para a diffusão das luzes em nossa Patria.
Sentimos não nos ser possivel, por motivos de
ordem economica, darmos uma edição nítida, mas “fecimus
quod potuimus, faciant meliora potentes”.
Capital Federal, 1 de Outubro de 1894.
topo
ALGUMAS PALAVRAS SOBRE A 3ª EDIÇÃO
A acceitação
que conseguiu a edição anterior, as cartas de encômios
que professores dos Estados nos dirigiram attinentes á orientação
que demos ao nosso trabalho, se nos tornaram o maior incentivo para prosseguirmos
nas ulteriores edições.
Bem sabemos, que, para os que se iniciam no aprendizado
é pesada a nossa Grammatica e até inconveniente, desde que
ao alumno não prescreva e limite o professor o que tem de ser estudado.
Alguns professores houve que nos aconselharam a desmembrar
a nossa grammatica em dous ou tres cursos, de concerto com o desenvolvimento
intellectual do alumno.
Reflectimos, e ao que nos aconselhavam não acquiescemos,
pois era improficuo e penoso imprimir outra norteação a um
trabalho que haviamos erigido no constante labor das nossas investigações,
na diuturnidade, na inquirição dos autores e estylistas de
nomeada.
Mantemos por isso a mesma orientação,
porque póde leccionar por qualquer compendio quem sempre se acha
de posse da materia para saber dosal-a aos alumnos, o que constitue o merito
do professor.
Era tanto mais impossível quanto a nossa grammatica
– destoando de todas as demais, constituía um livro que, excellendo-lhe
certa nota de individualidade, não se argüia de cópia
de trabalhos preexistentes.
Assim sempre o entendemos no quanto havemos publicado,
por isso que todo trabalho intellectual se deve resentir de certo cunho
de individualidade, pois o merito em quaesquer ramos de nossos conhecimentos
decorre de espírito de systematisação.
Assim em nossa Grammatica Analytica e na edição
a esta posterior alguns autores houve que, haurindo doutrinas nossas, nem
siquer nos fizeram a mínima referencia no corpo da obra.
Até houve Grammaticas que se diriam o resumo
da nossa. Nossos exemplos, as nossas doutrinas lá se acham e ao nosso
nome não se reservou siquer a mínima referencia.
Mas deixemos passar estes factos: aquelles que nos leram,
nos manusearam, nos farão a justiça que nos assistir no foro
da consciencia, ainda que nos admova por ventura contra nós qualquer
motivo.
Na materia que nos ocupa, temos as nossas opiniões
assentadas: bôas ou más, erroneas ou acertadas, esforçamo-nos
em pol-as de maior concerto possivel com os factos da lingua. Corram então
por conta de exiguo criterio nosso na interpretação d’elles
os desacertos de que, si por acaso os houver, nos penitenciaremos, desde
que nol-os próvem com logico fundamento e com os factos da lingua.
27-1-901.
* *
Quanto à actual edição, tivemos de aclarar muitos factos,
dando-lhes nova interpretação mais consoante com o progresso
da linguistica.
Ainda nos esforçamos por estudar a lingua nos
seus monumentos literarios, consolidando-lhe por isso os factos e a doutrina
com exemplos selectos, hauridos aos princiapes escriptores que se nos afigurou
poderem servir de normas á syntaxe da lingua.
1-7-910.
* *
Tendo-nos sido impossível nas tres edições
anteriores expungirmos de certo deslises este nosso trabalho, nenhuma edição
nos despertou portanto maior solicitude e attenção do que
esta, tanto mais quanto mais, graças ao desadormecer do nosso patriotismo,
se estão aprimorado o estudo e o culto da lingua nacional.
Pontos houve cuja doutrina nos foi mister refundir,
pois de ha muito se nos estava afigurando illogica: tal a systematização
do estudo dos tropos, ainda até hoje, subordinada á erronea
concepção dos antigos rhetoricos.
Lobrigavam-se nos tropos uns como deuses, a cujo aceno
mysterioso se realisavam certos phenomenos, quando apenas são termos
technicos da systematica das linguas, com os quaes se lhe designam factos.
Tirando-lhes o aspecto metaphysico, estudamol-os portanto
sob feição positiva: mostramos como, não obstante ser
a significação da palavra phenomeno meramente psycologico,
transparecem nos tropos os conceitos fundamentaes do numero, da funcção
ou symbolo, da extensão e energia actual ou potencial.
Assim estudados os tropos, dissipa-se-lhes a confusão,
a anarchia; aclara-se-lhes a doutrina, conferindo-se a esta secção
da semasiologia alicerce logico e intelligivel.
Exemplos portanto que se nos afigurava, como ainda aos
autores, pertencem a uns tropos, incidem agora no dominio de outros a que
melhor se ajusta o termo technico.
Quanto aos demais pontos, ampliámos alguns; documentámos
mais outros, de molde que ao leitor se offerecerão fructos, não
sabemos si bons si maos, das investigações nossas, colhidos
na messe opíma dos phenomenos da mais formosa, da mais dificil, da
mais plastica das linguas vivas.
15-6-20.
Maximino Maciel
* *
N.-B. – Como
sempre, a materia philologica, mais para o professor do que para o alumno,
fizemol-a imprimir em typo menor.
P.-S. – A que nos tiver de honrar, lendo-nos pela primeira vez, aconselhamos
e pedimos que previamente leia as nossas Lições elementares
de Lingua Portuguesa.
1o.- 1o.-21.
Maximino Maciel
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