APRESENTAÇÃO
Dando continuidade à apresentação de textos com resultados
do projeto História das Idéias Lingüísticas no
Brasil, o quarto número de Relatos traz o texto “O Estado, A Gramática,
A Autoria” de Eni Puccinelli Orlandi. Nele se analisa o papel fundamental
da posição-autor de gramática no final do século
XIX, e seu desdobramento posterior.
Esta história, que se desenvolverá em
novos trabalhos, mostra o deslocamento que se faz do enunciado “A língua
portuguesa do Brasil” para “A língua portuguesa no Brasil”.
Vem depois o resumo de um dos resultados do projeto,
apresentado como tese de doutorado, por Luis Francisco Dias, e posteriormente
publicado no livro Os Sentidos do Idioma Nacional.
Tanto o texto aqui publicado, quanto a tese cujo resumo
está ao final, mostram aspectos do processo de construção
da identidade brasileira, no qual a questão da língua e do
conhecimento sobre a língua têm papel decisivo.
Fazer uma história das Idéias Lingüísticas
no Brasil abre novos caminhos para a própria interpretação
da história brasileira.
Campinas, junho de 1997.
Eduardo Guimarães
O ESTADO, A GRAMÁTICA, A AUTORIA.
ENI PUCCINELLI ORLANDI
DL – IEL/LABEURB
UNICAMP
O que significa, no século XIX, ser autor de uma Gramática?
E como esta história continua no século XX?
Vamos procurar, nessa reflexão, entender o jogo enunciativo que
representa, na realidade, um acontecimento discursivo (1) importante em
nossa história. Esse acontecimento é caracterizado
pela passagem discursiva dita na diferença desses dois enunciados
“Língua Portuguesa do Brasil// Língua Portuguesa no Brasil”.
Para compreendemos essa passagem, temos de analisar
o que significa, no século XIX, ser autor de gramática no
Brasil e qual é o destino dessa autoria no século XX.
Ser autor de gramática no século XIX no
Brasil é assumir a posição de um saber lingüístico
que não reflete meramente o saber gramatical português. Nesse
momento, o da irrupção da República, não basta
que o brasileiro saiba sua língua, é preciso que, do ponto
de vista institucional, ele saiba que sabe (E. Orlandi, 1996). A gramática,
dessa perspectiva, é o lugar em que se institui a visibilidade desse
saber legítimo para a sociedade. Ao deslocar para o território
brasileiro a autoria da gramática – a gramática continua,
na maior parte das vezes, a se chamar Gramática Portugueza (cf. Júlio
Ribeiro, 1881) ou Gramática da Língua Portugueza (cf. Pacheco
Silva e Lameira de Andrade, 1887) – o que os gramáticos brasileiros
estão deslocando é a autoridade de se dizer como é
essa língua. Ser autor de uma gramática é ter um lugar
de responsabilidade como intelectual e ter uma posição de
autoridade em relação à singularidade do português
no Brasil.
Esse saber pode e deve estar relacionado à produção
internacional. Nesse sentido, não há, pelo que consideramos,
apenas “influência”, reprodução de idéias estrangeiras
no Brasil. Se pensarmos em termos discursivos, temos relações
de sentidos que se estabelecem entre o português do Brasil e o de
Portugal e veremos nessas “influências”, nessas filiações
teóricas um processo de re-significação tanto da língua
quanto do saber sobre ela.
A unidade do Estado se materializa em varias instâncias institucionais.
Entre essas, a construção da unidade da língua, de
um saber sobre ela e os meios de seu ensino (a criação das
escolas e seus programas) ocupa uma posição primordial. A
gramática, enquanto um objeto histórico disponível
para a sociedade brasileira, é assim lugar de construção
e representação dessa unidade e dessa identidade (Língua/Nação/Estado).
Ao trazerem o gesto da autoria para si, os primeiros
gramáticos brasileiros como Júlio Ribeiro, João Ribeiro,
Maximino Maciel, Lameira de Andrade e Pacheco Silva etc estão participando
da construção do Estado brasileiro. A história da língua,
da produção de objetos que representam para a sociedade o conhecimento
sobre ela, assim como a dos que a praticam (os cidadãos) estão
inextricavelmente ligados. O processo de gramatização
brasileira do português constitui assim um saber sobre a língua
e as suas singularidades, e processa a historicização da língua
no território nacional.
Desse modo, a identidade lingüística, a
identidade nacional, a identidade do cidadão na sociedade brasileira
traz entre os componentes de sua formação a constituição
(autoria) de gramáticas brasileiras no século XIX. E a porção-sujeito
autor de gramática é parte essencial dessa história.
Inaugura-se pois uma posição-sujeito gramático brasileiro.
Um lugar de produção legítima de conhecimento sobre
a língua que corresponde a um gesto de apropriação (autoria)
dessa língua.
O sujeito que fala o português brasileiro é
distinto do sujeito que fala o português de Portugal e isso é
elaborado pela autoria do gramático brasileiro do século XIX,
dadas as condições de produção dessa autoria
e do sentido da gramatização nesse momento.
Além disso, essa autoria legitima, ao mesmo tempo,
a relação do brasileiro com a escrita. Temos uma língua,
temos uma gramática, e temos sujeitos brasileiros da (nossa) escrita
(2).
Desde o início, no século XVI, certamente
pelo fato de que a língua falada no Brasil era re-significada em
relação ao que se falava em Portugal, produziram-se aqui novos
sentidos por novos sujeitos (ainda não bem discerníveis entre
os portugueses, os índios e os mestiços) que iam constituindo
a sociedade brasileira. Mas a legitimidade dessa sociedade com suas instituições
próprias, com sua língua, seu saber e seu poder político
(a Independência e depois a República) é elaboração
particular ao século XIX.
O gesto do gramático, que é um gesto de
interpretação em relação à língua
que falamos, tem como projeção o sujeito e a língua
nacional, referidos ao Estado.
A gramatização do português brasileiro,
mais do que um processo de construção de um saber sobre a
língua nacional, tem como conseqüência algo mais substancial
e definidor: a constituição de um sujeito nacional, um cidadão
brasileiro com sua língua própria, visível na gramática.
São processos de individualização que são desencadeados:individualiza-se
o país, individualiza-se o seu saber, individualiza-se seu sujeito
político e social.
Com a autoria dos gramáticos (e os literatos,
os historiadores, os políticos brasileiro etc) o século XIX
é, entre outras coisas, um momento intelectual muito forte na direção
de se pensar a língua, suas instituições e seus sujeitos,
assim como a escrita (“Escrever-se como se fala no Brasil e não como
se escreve em Portugal”, diz Macedo Soares).
O movimento de que faz parte a autoria brasileira das
gramáticas é um grande movimento de tomada em mãos
da nossa história, da configuração da nossa sociedade.
Ao assinar a gramática, nossos autores nos transferem seu saber sobre
a língua, o torna acessível a nossa sociedade (não
toda pois, como sabemos, as divisões sociais são uma realidade
institucional inequívoca do sistema republicano). A República
é uma prática política que vai favorecer o desenvolvimento
das Instituições: Escolas (elaboração consciente
de um saber sobre a língua, sobre as coisas do Brasil, etc), projetos
de ensino, Dicionários, Gramáticas, Antologias.
Com a Independência em 1822, o Estado brasileiro
se estabelece e a questão da língua se evidencia. Um exemplo
disso é o fato de que, em 1826, já se coloca a discussão,
a partir de um projeto proposto no Parlamento, portanto a nível do
poder constituído, de que os diplomas dos médicos devem ser
redigidos em “linguagem brasileira”. Nos anos que se seguem e com a vinda
da Republica tanto o Estado como a questão da língua brasileira
se configura mais decididamente e o período de que acabamos de falar,
o da emergência das gramáticas no século XIX, atesta
o vigor dessa época e dessa relação: língua e
Estado se conjugam em sua fundação.
Após essa fase, já no início de
1900, esse cenário se modifica. O Estado brasileiro já se configura
com clareza e é ele próprio a garantia da nossa diferença
em relação a Portugal. Surge a Academia Brasileira de Letras,
firmam-se acordos ortográficos, criam-se Faculdades, já que
a instituição Escola adquire maturidade. Então as gramáticas
já não têm a função de dar forma aos difíceis
limites da identidade brasileira, só o de mantê-los. Surgem
então as inúmeras gramáticas, cujas diferenças
já não referem a autorias de gramáticos em suas filiações
mas dizem respeito às diferenças descritivas e analíticas:
filigrana de diferenças na análise da oração
e de complementos, adjuntos x e y etc. Passa a haver uma profusão
de gramáticas o que leva inclusive M. Câmara a afirmar em defesa
da NGB: “Da minha parte tenho a dizer de início que considero a nova
Nomenclatura Gramatical um excelente passo para combater o arbítrio
e a fantasia individual em matéria de nomenclatura. No século
XIX, dizia-se que todo professor de filosofia alemão se achava obrigado
a criar um sistema filosófico seu. A Alemanha é a terra da
Filosofia; no Brasil, que é a terra da Gramática, todo professor
de português se acha obrigado a criar uma nomenclatura gramatical sua”
(p. 56, Dispersos, 1972). Há aí muita coisa a se comentar.
Fica aqui apenas a referência a essa “multiplicidade quase estonteante”
(M. Câmara idem).
A questão que nos interessa é que nessa
profusão de autorias começa o apagamento da materialidade
da autoria praticada no século XIX, aquela que garantia a construção
conjunta de uma língua nossa e um Estado nosso. Tendo já a
garantia de um nosso Estado, o exercício da produção
de gramáticas tem outra forma e sentido no século XIX. Com
a NGB (1959) este estado de coisas muda sensivelmente, quando é uma
comissão que, a partir de um decreto, estabelece a homogeneidade de
uma terminologia que des-autoriza as varias posições (gramática
geral, gramática histórica, gramática analítica,
gramática descritiva etc) dos gramáticos do século XIX
que traziam para si a responsabilidade de um saber sobre a língua.
Depois desse deslocamento, a autoria do saber sobre
a língua deixa de ser uma posição do gramático
e será patrocinado pela lingüística. Saber como a língua
funciona dá autoridade ao lingüista para dizer como uma língua
é (português no Brasil/português europeu). A autoria
da gramática passa a necessitar de caução do lingüista,
já que este tem o conhecimento científico da língua.
Há uma transferência do conhecimento do gramático para
o lingüista.
Duas coisas devem ser observadas nesse processo:
A. Nessa primeira fase, a que se inicia com a autoria
dos gramáticos (séc.XIX) é que faz sentido o enunciado
“A língua Portuguesa do Brasil” pois é a própria pertinência
ao Brasil que está em disputa. A partir daí, com as garantias
já dadas pela existência de nosso Estado com a nossa língua,
a especificação é só a localização
de uma história particular: “Língua Portuguesa no Brasil”.
B. O trajeto que podemos observar mostra também
o deslizamento cada vez mais forte de uma posição política
e intelectual para uma posição marcadamente científica
da questão posta pela implementação da cientificidade.
Na medida em que o Estado se define e nossa sociedade tem sua forma, a cientificidade
é um argumento para a afirmação dessa identidade. E
isto afeta a questão da língua e do saber sobre ela. O que
se reflete evidentemente sobre a questão do ensino, da Escola: com
a lingüística o tratamento da língua se coloca no âmbito
da ciência e a relação com a Escola é a da aplicação
do conhecimento gramatical no ensino/aprendizagem da língua (materna).
O que vai tornar menos “próxima”, e com a história da colonização.
Já estão longe, em nossa memória, os atos de intervenção
de Pombal, exigindo que se falasse e escrevesse o português e não
a língua geral. Não restam senão os seus efeitos. O
lugar da imposição de um poder e da resistência desloca-se
para o campo científico: o modo e a filiação a teorias
que apagam ou não a historicidade da língua, que mostram ou
não os compromissos políticos das teorias gramaticais (universais
ou particulares). A relação entre unidades e diversidade, que
é a relação nuclear, tanto para o Estado como para a
língua, não perde sua validade e vai assim construindo sua
história, fazendo seus percursos, significando seu jogo. Garantida
a unidade de nossa língua, como ter e quem tem acesso ao seu conhecimento
científico e aos seus usos mais valorizados. A relação
não é mais entre portugueses e brasileiros, é entre
teorias científicas sobre a linguagem. Diríamos, assim, que
em um momento temos o Estado se constituindo e, no outro, ele já formalmente
constituído. Isso nos dá a peculiaridade da relação
do Estado com a ciência, se pensarmos que houve uma explicitação
progressiva da figura do Estado que de acompanha da caracterização
da língua como uma questão científica. Para finalizar,
pensamos que se deva refletir sobre os sentidos da gramática. No percurso
que mostramos, a gramática deixa de ser um “monumento” à língua,
para se apresentar como um “artefato” de ciência. E isto se constrói
em certas condições, das quais delineamos algumas, e tem suas
conseqüências, que resta explorar.
Notas
(1) A noção de acontecimento
discursivo é a que permite compreender os grandes deslocamentos feitos
na história e que produzem um dizer, abrem um espaço do enunciável,
ou melhor, que produzem uma forma particular de enunciação,
enquanto acontecimentos na história.
(2) Sem dúvida a prática
da literatura nesse momento é decisiva nessa relação.
Não estamos pois excluindo o literato, estamos apenas fazendo ver
que o gramático tem uma relevância às vezes esquecida
nessa história. Gostaríamos, ainda, de lembrar, que a autoria
nessa época é complexa, sendo o autor, muitas vezes, ao mesmo
tempo gramático, historiador, literato, professor, político
etc.
Bibliografia
Câmara, Jr. J.M..Dispersos, Fundação Getúlio
Vargas, Rio de Janeiro, 1972.
Guilhaumou, J. e Mazière, F. “Efeitos do Arquivo. A Análise
do Discurso do lado da História”, in Gestos de Leitura, Ed. Unicamp,
1994.
Maciel, M. Gramática Analítica, Rio de Janeiro, 1887 (reed.
como Grammatica Descriptiva em 1894).
Orlandi, E.P. “Gramática, Gramatização e a Emergência
das Primeiras Gramáticas Brasileiras”, ASSEL, Rio de Janeiro, 1996
(no prelo).
Pacheco Silva e Lameira de Andrade Grammatica da Lingua Portiugueza, Francisco
Alves, Rio de Janeiro, 1887.
Ribeiro, João Grammatica Portugueza, Francisco Alves, Rio de Janeiro,
1887.
Ribeiro, Júlio Grammatica Portugueza, Jorge Seckler, São
Paulo, 1881.
OS SENTIDOS DO IDIOMA NACIONAL.
LUIS FRANCISCO DIAS
UFPB
Na nossa tese de doutoramento (Dias, 1996) procuramos
empreender uma análise semântica de enunciados de discursos
parlamentares, produzidos no processo de tramitação de três
projetos legislativos no Brasil, nas décadas de 30 e 40, que objetivavam
a denominação do idioma falado no Brasil, de língua
portuguesa para língua brasileira. Mostramos que o debate em torno
da denominação do idioma deixava transparecer uma questão
que esteve presente em outros momentos da nossa história: a identidade
da língua falada no Brasil.
As medidas destinadas a oficializar o ensino da língua
portuguesa no Brasil, já no século XVII, após quase
dois séculos de ausência de qualquer tipo de política
cultural e educacional por parte da metrópole, apareceram em meio
a um quadro social marcado pelas seguintes características: a pequena
faixa da população alfabetizada contrastava com a maioria absoluta
da população, que não dominava a escrita, sendo que
parte dessa população falava a língua geral ou nheengatu.
Essa distinção cruzava com uma outra, qual seja, a do bom português
em contraste com o mal português (entenda-se aí o português
mal falado ou mal escrito). Aquilo a que chamamos de questão da língua
no Brasil tem, portanto, raízes na linha de demarcação
entre os que conhecem e os que não conhecem o português escrito.
Essa questão aparece fortemente nas décadas
de 30 e 40 no Brasil na época em que as discussões sobre a
identidade nacional ganhavam terreno entre os políticos e os intelectuais.
Na nossa tese, buscamos compreender como se configurava uma identidade de
língua nacional na ótica dos políticos.
Especificamente, nosso trabalho consiste em mostrar as bases em que se
formulavam argumentos contrários e a favor do projeto que propunha
a mudança do nome do idioma. A questão não estava,
como se poderia esperar à primeira vista, centrada tão somente
na diferença “lingüística” entre o português do
Brasil e o português de Portugal, mas no sentido que adquiria essa
mudança em relação a um quadro interno ao próprio
País. Nesse momento, estava em jogo um conceito de cidadania; isto
é, a questão da nacionalidade da língua estava em função
de uma imagem discursiva do falante enquanto membro de uma nação.
Isso se torna mais claro quando verificamos que as expressões língua
nacional e língua pátria não levantavam polêmica.
A expressão língua nacional aparecia em textos oficiais e a
expressão língua pátria figurava tanto como nome de
disciplina nas escolas secundárias quanto como nome de livros didáticos
de ensino da língua materna. Mas a expressão língua
brasileira adquiria sentidos relativamente a um espaço no qual a
nacionalidade cruzava com a cidadania. Tendo em vista que a expressão
língua brasileira tem como correlato semântico “língua
falada pelos brasileiros” colocava-se a questão do estatuto da nacionalidade
a partir do estatuto do homem que constitui a nação. E quem
seria esse homem? Essa é a
pergunta-chave, que está subjacente às discussões nas
casas legislativas.
As discussões se desenvolviam em torno de duas
posições. Parte dos parlamentares via na expressão
língua brasileira a legitimação de um domínio
de língua caracterizado como “patuá do povo ignaro”, “meia-língua
do poviléu”, “língua da tia Josefa, a cozinheira”, “dialeto
regionalista”, etc. Portanto, era necessário, no entender desse grupo,
lutar contra o projeto de mudança do idioma, uma vez que designar
a língua de brasileira significaria configurar uma identidade para
a nação a partir de um domínio de língua relativamente
a “povo ignaro”, “poviléu”, “cozinheira”, “caipira”, etc. a língua
não poderia ser chamada de brasileira, para o grupo de parlamentares
dessa posição, uma vez que “essa língua” não
adquirira um estatuto capaz de legitimar discursos, de modo a torná-los
visíveis às malhas sociais da elite brasileira letrada. O
nome “língua portuguesa” deveria continuar como nome oficial da língua
na ótica desses parlamentares, porque se adequaria a toda uma tradição
de escrita cultivada pelos grandes nomes da literatura brasileira.
O outro lado da polêmica, a saber, os que defendiam
a mudança da denominação do idioma, via no nome língua
brasileira a expressão da própria natureza do País.
A língua brasileira é o “cultivado fruto policrômico
e saboroso, de feição tão linda que é o idioma
brasileiro”; é a língua que “aqui se desenvolveu, floriu, amalgamou-se,
coloriu-se”; é a “língua tão cheia de suavidade, que
falam as brasileiras, (...) tão cheia de heroísmos que falam
os brasileiros”; é a língua que “se distendeu em ramos frondosos,
acobertada por essa natureza exuberante, que é a brasileira, parecendo
pedir, desde então, vida própria, genuinamente nacional, e
naturalização”. Para esse grupo, portanto, a língua
que falamos deveria ter o nome de língua brasileira, uma vez que ela
se molda pela imagem da natureza que identifica o espaço geográfico
brasileiro.
Procuramos, dessa forma, mostrar como a questão
do nome de idioma estava sendo determinada pela questão da identidade
do cidadão brasileiro e da própria nação que
ia se constituindo naquele período.
Mostramos que a relação entre a concepção
de idioma e a concepção de nacionalidade era permeada pelo
espaço em que o sujeito encontra a sua identidade. Especificamente,
o grupo que combatia a mudança do idioma e o grupo que a defendia
configuravam esse espaço diferentemente. O primeiro grupo concebia
a língua a partir da tradição escrita, em relação
à qual ele se identifica enquanto membro da classe que tem na escrita
uma forma de inserção nos aparelhos institucionais; a mudança
do idioma parecia, na ótica desse grupo, produzir uma verdadeira mudança
de eixo, pois ela “apagaria” essa tradição de escrita, e poderia
elevar ao status de língua nacional uma modalidade de língua
falada por quem não tem o suporte da escrita, capaz de tornar a língua
visível para os aparelhos institucionais.
O segundo grupo, por outro lado, configurava aquele
espaço a partir de uma imagem peculiar, romântica, daquilo
que seria a “natureza” brasileira. O espaço que proporciona uma natureza
sui generis é o espaço de uma língua que não
é mais aquela dos portugueses, mas a do homem da terra, um homem que
se confunde com a própria natureza do País.
Na primeira perspectiva, o brasileiro só é
percebido como cidadão tendo como referência o percurso de
escrita. Esse fato aponta para uma exclusão daqueles que não
dominavam a escrita da categoria do cidadão. Na segunda perspectiva,
a identidade do brasileiro é desviada para um domínio de visão
deslocado do espaço social; a imagem do brasileiro é construída
a partir de uma imagem romântica do País.
É em relação a esses espaços,
então, que se configurava a cidadania nas décadas de 30 e
40 no Brasil: sob a ótica do exclusivismo, de um lado, e sob a ótica
do ornamental, de outro.
Referências:
Dias, Luiz Francisco (1996) Os Sentidos do Idioma nacional: As Bases Enunciativas
do Nacionalismo Lingüístico no Brasil. Campinas, Pontes.
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