Literatura Infantil (1880-1910)
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XXVI. A CRUZ DA ESTRADA
Profundamente abatido pelas terríveis comoções daquele dia, Carlos quis desistir do seu projeto de acompanhar a boiada.
¾ Nada! ¾ disse ele a Juvêncio ¾ já fiquei conhecendo bem os perigos a que a gente se expõe, neste ofício de lidar com bois bravos... Quase vi o Alfredo morto, e escapei também de ser mutilado pelos chifres daquele novilho... Para que havemos de arriscar a vida inutilmente? Não esperemos pela partida da boiada, e partamos hoje mesmo!
¾ Bem! ¾ respondeu o rapaz sertanejo ¾ não sigamos com a boiada, mas, em vez de partir hoje, partamos amanhã. Aproveitaremos o dia, para consertar nossas roupas que estão rotas...
Assim fizeram. Remendaram e coseram as roupas, e, no outro dia, despediram-se do criador, que lhes forneceu generosamente alguns víveres, e partiram.
Caminharam durante quase todo o dia, vagarosamente ¾ para evitar a fadiga, ¾ e parando de quando em quando.
A estrada era boa, mas desabrigada, sem árvores, cortando terrenos despovoados e secos, muito castigados do sol. Os rapazes ofegavam e suavam, com as faces afogueadas pelo calor.
Ao cair da tarde, entraram numa região mais fresca, mais coberta de mato, e, ao mesmo tempo, mais cultivada. Sentia-se que havia habitações ali perto.
À beira da estrada, encontraram, numa encruzilhada, num sítio baixo, sombreado e triste, um ranchinho de telhas, aberto por todos os lados, abrigando uma cruz. Era um cruz de pau tosco, já enegrecida pelo tempo, ¾ mas enfeitada com flores e fitas de papel.
Pararam todos: e Alfredo lembrou-se de já ter encontrado, várias vezes, pelo caminho, outras cruzes como aquela...
¾ Que quer dizer isto? ¾ perguntou ele. ¾ Desde Pernambuco, venho encontrando estas cruzes...
¾ Estas cruzes ¾ explicou Juvêncio ¾ marcam quase sempre os lugares onde mataram gente. Também, às vezes, marcam a sepultura de pessoas pobres, cujos corpos não puderam ser conduzidos para os cemitérios... Mas, em geral, quando se levanta uma cruz à beira da estrada, isso quer dizer que aí foi assassinada uma pessoa. Antigamente, cometiam-se por aqui muitos crimes: por qualquer causa insignificante, um indivíduo tirara a vida ao outro; e, naturalmente, os assassinos sempre praticavam as suas maldades em lugares ermos como este. Vinham esperar a vítima, e matavam-na a tiro ou a facada...
¾ E a polícia? ¾ perguntou Alfredo.
¾ Ora, antigamente, quase não havia polícia por aqui. Era preciso que a vítima fosse alguma pessoa importante ou rica, para que as autoridades se abalassem. Na maioria dos casos, os criminosos ficavam sem castigo. Enterrava-se uma cruz no lugar em que o desgraçado tinha caído morto, ¾ e não se tratava mais do caso.
¾ Mas a cruz está enfeitada... ¾ notou Carlos ¾ quem a terá enfeitado?
¾ Foi o povo... Quando uma pessoa morre assim, caída da perversidade um malvado, o povo acredita que a alma dessa pessoa foi logo para o céu, e começa a fazer-lhe “promessas”: acende velas, e coloca flores no lugar em que se deu o crime; às vezes até se levantam capelinhas, onde o povo vem rezar...
¾ Que horror! ¾ exclamou Alfredo ¾ e há sempre assassinatos?
¾ Ah! Não! Os tempos mudaram. Os costumes são outros. Agora são raros os crimes.
Continuaram a caminhar. Cem metros adiante a estrada subia, costeando um morro. Apareceram algumas casas, na colina; e, em breve, os viajantes chegaram a um pequeno arraial, formado por pouco mais de uma dúzia de habitações. A primeira casa do arraial era uma “venda”. Para aí se dirigiram os rapazes, e pediram ao vendeiro que lhes permitisse que se aboletassem debaixo de um telheiro ao lado.
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