Literatura Infantil (1880-1910)

 

 

 

Contexto Educacional

 

            A instrução pública no Brasil do final do século XIX estava ainda dando os seus primeiros passos. Embora desde 1854 algumas leis a favor da educação tenham sido elaboradas, na prática a imensa maioria da população permanecia analfabeta. Verdade é que faltava de quase tudo para que as leis saíssem do papel. Em 1859, por exemplo, devido ao aumento do custo de vida e ao desinteresse do poder público, o salário dos professores se desvalorizou, desestimulando os mestres atuantes. Não havia escolas normais para capacitação de novos professores, o que fez surgir os chamados adjuntos, tanto mal pagos, quanto mal preparados. Nem mesmo os prédios escolares eram os mais adequados, visto que foram, de início, alugados.

 

Número de brasileiros alfabetizados

População Brasileira

1872

1890

1900

1920

Sabem ler e escrever

1.564.481

2.120.559

4.448.681

7.493.357

% sobre o total de habitantes considerados

16%

15%

25%

24%

Não sabem ler e escrever

8.365.997

12.213.356

12.989.753

23.142.248

Total de habitantes considerados

9.930.478

14.333.915

17.438.434

30.635.605

        Apud Razzini, 2000: 21.

 

 

A administração do ministro João Alfredo Correa de Oliveira, responsável pela instrução pública na década de 1870, parece alertar o Império para a questão educacional, conforme o relatório do sucessor de João Alfredo ao ministério, Conselheiro José Bento da Cunha e Figueiredo:

           

            Em 1869, havia apenas, em todo o Império, 3.516 escolas públicas e particulares de instrução primárias. Em 1876, o número destas escolas, conforme as mais recentes informações, era mais de 6.000.

                Em 1869, as escolas primárias existentes haviam recebido 115.935 alunos de ambos os sexos. Em 1876 havia, nas escolas primárias, cerca de 200.000 alunos.

                Em 1869 havia uma escola primária para 2.394 habitantes livres. Em 1876, havia uma para cada 1.250 habitantes livres.

                Em 1869, havia uma escola primária para 541 crianças livres, em idade escolar (6 a 15 anos). Em 1876 havia uma para 314 crianças, nas mesmas condições. (Almeida, 1989:177) 

            Assim, na província do Rio de Janeiro, juntamente com o crescente processo de urbanização, o número de escolas aumentou e as particulares acompanharam esse crescimento, pois viram despontar, no ensino, um mercado em ascensão, impulsionado pelos investimentos da burguesia. Os emergentes do século XIX, embora aceitassem os valores retrógrados da monarquia - ainda presentes muito tempo depois da proclamação da República - , procuravam a modernidade, sobretudo importando os modelos franceses e as formas modernas de civilização européias. Criaram, então, uma atmosfera ilusória de modernidade, que em nada condizia com a sociedade aristocrática e escravocrata da época.

            Nas outras províncias, inclusive nas cidades do interior, formaram-se associações “não governamentais”, com altos investimentos a favor da cultura, como mostra Almeida, com dados de 1874:

Belém

Sociedade Amantes da Instrução: fornecia roupas e calçados às crianças pobres, incentivando-as a freqüentar a escola. (obrigação, aliás, do governo, prevista em lei e esquecida desde 1854)

Campinas

Sociedade Culto à Ciência, colégio de ensino primário e secundário, inaugurado em 12 de janeiro de 1874.

Mogi Mirim

Associação da Instrução Mogiana; União e Fraternidade; Sociedade Propagadora da Instrução Popular, todas de ensino gratuito.

Cidade de Cunha

Sociedade Literária nova Arcádia

Lorena

Sociedade Auxiliar da Instrução Pública

Almeida, op. cit.

 

Além dessas associações, outras iniciativas culturais foram tomadas, como a Biblioteca Francana, em Franca; o Clube Literário de Bragança Paulista e o Gabinete de leitura de Pindamonhangaba.

            No entanto, o Brasil precisava de homens diplomados para os altos escalões do serviço público civil e militar (devido a Guerra do Paraguai) e para o clero, além de profissionais liberais, que eram em número mínimo. Havia apenas as Faculdades de Medicina do Rio de Janeiro e da Bahia, fundadas por D. João VI; as Faculdades de Direito de São Paulo e do Recife, fundadas em 1827; três cursos superiores militares; a Escola Central do Rio (Ciências Físicas e Matemáticas), reinaugurada em 1870; a Escola Politécnica; a escola de Minas (voltada para a mineração); além dos Seminários Episcopais. Para o ingresso, essas instituições de ensino superior não exigiam o curso secundário, mas aplicavam um Exame Preparatório, muitas delas montavam cursos para os exames.

            O ensino secundário, dessa forma, estava totalmente condicionado aos exames, desde o currículo de disciplinas até a caracterização dos privilegiados alunos que apenas almejavam entrar no curso superior para alcançarem cargos públicos. Colégios, liceus, ginásios e ateneus disputavam os alunos oferecendo um corpo docente que tivesse alguma participação na correção dos exames, ou livros didáticos cobrados nos exames, cursos mais rápidos, enfim, propagavam o número de aprovados para atrair novos alunos, tanto os públicos, como os privados, e sempre sob o controle estatal.

           

Número de alunos matriculados nas escolas secundárias no ano 1870:

Instituições

Número de escolas

Número de alunos

públicas

104

2.490

particulares

338

5.881

        Razzine, op. cit.: 25

 

Mas nenhum deles competia com a imponência do Imperial Colégio de Pedro II, fundado em 1837 e que, inclusive, fornecia o diploma de bacharel em Letras e dava o direito aos seus alunos de entrar em qualquer Faculdade do Império sem passar pelo exame. 

O livro Antologia Nacional elaborado por dois professores, um deles do Pedro II é um dos símbolos da importância do colégio: “uma das compilações mais lidas pelos brasileiros que passaram pela escola secundária até a década de 1960” (Razzini, 2000: 15).

            Como já era de imaginar, pouquíssimos alunos chegavam ao ensino secundário. Que dirá ao superior. E como apenas a elite tinha acesso a tais privilégios e o governo fazia vista grossa à empresa dos exames, a corrupção corria solta.

            Mesmo com as tentativas de se instituir uma legislação específica para o ensino secundário e os exames preparatórios, o caso tanto fugiu ao controle, que em 1911, o governo teve de acabar com os exames, instituindo o vestibular. Será que deu certo?

 

“O mau preparo dos filhos da elite não era resultado apenas dos exames preparatórios, mas de todo o sistema educacional brasileiro que penalizava a maior parte da população com o analfabetismo, enquanto facilitava o acesso da elite aos cursos superiores, quer seja com a não obrigatoriedade da conclusão do curso secundário, quer seja com os exames de ingresso pouco sérios”(Razzini, 2000:30).

 

Legislação vigente

Ano
Leis

1854

Decreto 1.331 A de 17 de fevereiro: instituía as Bancas de Exames Preparatórios.

1856

Portaria de 4 de maio: centralização do curso secundário e dos Exames Preparatórios.

Regulamento das aulas preparatórias das Faculdades de Direito.

1869

Decreto 4.430 de 30 de outubro: O português passou a ser cobrado nos Exames Preparatórios.

1873

Decreto 5.249 de 2 de outubro: Instituía mesas gerais de Exames nas Províncias onde não havia Faculdades.

1890

Decreto 981 de 8 de novembro:Dentro da Reforma Benjamin Constant, instituía o Exame de madureza após o término do curso secundário.

1891

Decreto 668 de 14 de novembro: Regulamentação das disciplinas dos Exames Preparatórios, a saber: português, francês, inglês, alemão, latim, aritmética e álgebra, geometria e trigonometria, geografia especialmente do Brasil, história universal, física e química e historia natural.

1896

Decreto 9.647 de 2 de outubro: Condicionava a realização das provas das demais disciplinas à aprovação em Português.

1911

Reforma Rivadávia Correia (Lei Orgânica): Instituía o vestibular.

  Almeida, José Ricardo Pires de. op. cit.