A ideia de aprendizagem perpassa diferentes áreas de conhecimento. As ciências cognitivas foram responsáveis para a emergência de teorias de aprendizagem como o behaviorismo; a filosofia apresenta a fenomenologia como base para uma teoria de aprendizagem; e obviamente os estudiosos da área da educação apresentaram inúmeras possibilidades para a definição do assunto.

Nobert Wiener, matemático e estudioso tido como o criador da cibernética, em seu livro Cibernética e Sociedade: O uso humano dos seres humanos (com primeira edição em 1954) [1], tece inúmeras relações sobre como a aprendizagem emerge nos sistemas auto-regulados. Wiener difere dos demais estudiosos por preocupar-se com a aprendizagem em todos os tipos de sistemas e não apenas na aprendizagem de humanos ou animais como ocorre nos estudos de outras áreas.

Para o autor, a aprendizagem é uma função de reflexo condicionado possível pela realimentação ou feedback.  Ao exemplificar esse processo (itens numerados abaixo), utiliza como referência um autômato simulador de vida, podendo se fazer paralelo com outras máquinas, ou qualquer sistema, inclusive seres humanos. O processo de realimentação que resulta na aprendizagem é constituído de dois pontos: 

1)    Tal máquina deve possuir órgãos motores para realizar as tarefas necessárias.

2)    É necessário que o sistema disponha de órgãos ou elementos sensoriais (células fotoelétricas e termômetros, por exemplo) que permitam a máquina se comunicar com o mundo externo, produzindo registros do desempenho das tarefas realizadas.

O segundo ponto implica o ajuste da tarefa futura considerando o desempenho passado, ou seja, se o desempenho foi positivo, o sistema está apto a repetir a tarefa, porém se o desempenho não foi satisfatório, o sistema estará apto a adotar outro comportamento, resultando em um reflexo condicionado considerado como aprendizagem.

Esse comportamento é exemplificado similarmente, por Wiener, com seres vivos, como um gato. O gato recebe a informação de um chamado olhando para aquele que o chamou; ao sentir fome, o animal mia para pedir comida; e, ao brincar com um carretel, com a pata, o gato lança o carretel para um lado e agarra-o com a outra pata. Situações aparentemente simples como essas são repletas de mensagens complexas enviadas e recebidas pelo sistema nervoso do animal, por nervos, terminais de suas juntas, músculos e tendões. Por mensagens como essa, o gato adquire consciência da sua posição e das tensões de seus tecidos. A habilidade manual torna-se possível somente pela possibilidade de tais órgão serem capazes de transmitir e receber essas mensagens. O resultado dessa troca de informação é, para Wiener, a aprendizagem.

Todavia alguns animais, especialmente os formados por sistemas mais simples, tais como insetos, não necessariamente são capazes de aprender, justamente por conta dessa “excessiva” simplicidade. Wiener chega considerá-los como estúpidos, pois o molde deles permite apenas poucas e pequenas modificações. O sistema desses animais envia e recebe informações, entretanto o sistema é “rígido”, pois muito simples, e, assim, não se altera ou reorganiza a partir das informações recebidas.

Embora Wiener não apresente uma ideia precisa e concisa de inteligência, alguns pontos podem nos levar a algumas conclusões:

1)    Wiener entende que organismos muito simples não podem ser inteligentes, pois sua estrutura não permite um sistema nervoso completo, e, logo, aprendizagem. Seus comportamentos, mesmo na fase adulta, são ditados por sua estrutura e não por sua experiência sensorial individual. Ressalta-se que não necessariamente animais de grande porte serão inteligentes, pois o fator chave é a complexidade, e não o tamanho do organismo. Sistemas com alimentação simples podem agir apenas com reflexos comuns, não caracterizando-os como inteligentes. Um exemplo de aprendizagem simples citado por Wiener é a hipotética máquina que se encaminha para a luz ou dela foge. Esse aparato tomaria decisões baseadas apenas na ausência ou presença de luz.

2)    Ao comparar o sistema nervoso a uma máquina automática, Wiener observa que os dispositivos mecânicos mais simples têm que decidir entre duas alternativas, como ligar ou desligar uma chave. Da mesma forma, no sistema nervoso de um organismo vivo, “a fibra nervosa individual também decide entre conduzir ou não um impulso. Além disso, tanto na máquina quanto nos  nervos, há um dispositivo específico para fazer com que as decisões futuras dependam das passadas, mas, no sistema nervoso, boa parte dessa tarefa é realizada naqueles pontos extremamente complicados, denominados “sinapses”, nos quais numerosas fibras nervosas aferentes se ligam a uma única fibra nervosa eferente” (p. 34) [1]. 

Assim, para a cibernética, humanos são sistemas inteligentes não por causa de uma excepcionalidade imanente na natureza, mas porque possuem a capacidade de aprendizagem que existe em sistemas suficientemente complexos.

As ideias de Wiener sobre alimentação e feedback apesar de não terem influenciado grandemente os estudos na área de educação, foram um passo inicial para os estudos da inteligência artificial. Uma das questões colocadas hoje acerca da inteligência artificial é justamente a sua capacidade de aprender pela avaliação sistemática dos resultados presentes de uma tarefa a partir dos resultados passados da mesma tarefa sobre um input controlado e marcado como bem-sucedido em sucessivos ciclos, a assim chamada aprendizagem de máquinas.

Wiener questiona, a certa altura do livro: “Bem, já sabemos que, como indivíduo, a formiga não é muito inteligente; então, por que toda essa complicação para explicar por que razão não pode ser inteligente?” (p. 57) [1].  Em minha pesquisa sobre a formação de professores numa perspectiva pós-humanista, a noção de aprendizagem como instalação de um reflexo condicionado num sistema complexo não serve, não é isso que um professor faz, nem é assim que o aluno aprende a lidar com a complexidade do mundo. Contudo, me interessa o papel de outros seres, ou sistemas, na aprendizagem, seres dotados ou não do que Wiener chama de inteligência, quer sejam formigas, computadores ou exames finais. Minha premissa é a de que a inteligência do aluno, que cabe ao professor “complexificar”, vai além do seu corpo ou do seu sistema nervoso, pois engloba todos esses seres e agências enredadas pelo fio da experiência de aprender. Sobre esses emaranhamentos no processo educacional, escrevi o texto Repensando os letramentos pela perspectiva pós-humanista [2], resultado do início de minhas pesquisas referentes ao projeto de doutorado que venho desenvolvendo sobre a formação de professores e a teoria ator-rede.

[1] WIENER, N. Cibernética e sociedade: o uso humano de seres humanos. São Paulo: Cultrix, 1970.

[2] RIBAS, M. M. G. Repensando os letramentos pela perspectiva pós-humanista. Trabalhos em Linguística Aplicada, v. 58, n. 2, p. 612-636, 1 ago. 2019.