Webcomics são histórias em quadrinhos feitas para circular na internet, ainda que possam ser publicadas em versões impressas posteriormente. Qualquer publicação feita para meios impressos, ainda que no processo de produção tenham sido empregados recursos digitais, não deve ser considerada nesta classificação. Também as produções impressas que posteriormente sejam veiculadas em meios digitais, lançadas na internet ou através de mídias físicas como CDs ou DVDs, não são consideradas webcomics, sendo importante distinguir o quadrinho digital (destinado à publicação em meios digitais) do quadrinho digitalizado (destinado às mídias impressas e escaneado e divulgado em mídias digitais em processo subsequente). [2] [7] Com o avanço do acesso ao ciberespaço e as inovações tecnológicas de softwares e hardwares, o espaço digital tornou-se atrativo para artistas exercerem sua liberdade criativa, transformando, neste contexto, o gênero HQ. As temáticas dos quadrinhos digitais são variadas e podem interessar a públicos bastante específicos, tendo, na agilidade de publicação e de divulgação das produções, acesso possível e facilitado ao público visado. [1][4]
As webcomics podem seguir as estruturas e os estilos já estabelecidos por suas contrapartes impressas, com imagens estáticas e textos, ou valerem-se de outros recursos disponíveis nos meios pelos quais circulam, com o acréscimo de efeitos sonoros, trilhas musicais, espaço de interação entre autores e leitores e imagens em movimento (animações e em formato gif). Na década de 2010, a banda larga facilitou ainda mais a publicação de webcomics e o acesso a elas. O gênero passou a apresentar vantagens em relação às produções impressas, como o estreitamento entre artistas e público, a partir da popularização das redes sociais, e o barateamento do custo de publicação, já que no Brasil a impressão ainda é muito cara. De uma maneira geral, Oo site de uma webcomic, mais difundido meio de circulação desse gênero, tem como propósito apresentar o quadrinho, as informações relacionadas a ele e o acesso às produções anteriores. Esse conteúdo é organizado em uma interface de navegação já estabelecida, em geral, com quatro setas abaixo da tira, que levam o leitor à primeira tira publicada, à anterior, à próxima e à última. No entanto, os cartunistas, sendo também responsáveis pela estrutura e manutenção dos seus sites, não seguem necessariamente as normas e convenções adotadas pelo mercado editorial. Escritores, desenhistas, coloristas, letristas etc. são também leitores, consumidores, público-alvo deste mesmo seguimento. Público que lê, interpreta e retransmite informações; emite opiniões diretamente aos seus colegas; discute em tempo real com outros leitores/produtores a respeito de diversas obras, cria fan-arts das obras que mais admira, constituindo o seu espaço e o do outro de forma colaborativa e paralela na internet. [7]
Webcomics podem ser classificadas, portanto, em duas grandes categorias: os quadrinhos digitais herdeiros são aqueles muito próximos em características dos quadrinhos impressos, mas se valem das novas tecnologias para ampliar sua divulgação e acesso ao púbico, bem como facilitar e baratear os meios de produção; já os quadrinhos digitais híbridos rompem com as estruturas da mídia impressa, ainda que sejam mantidos os elementos de seus enunciados, incorporando características próprias de mídias audiovisuais e digitais, como a animação, o som, composição de páginas, a linguagem computacional, etc. [7] A apropriação destes recursos de tecnologias alheias às publicações impressas confere aos quadrinhos digitais híbridos a possibilidade de multilinearidade narrativa como característica própria do meio, ainda que seja um recurso pouco explorado nas webcomics, muito provavelmente, por influência cultural de mídias como o cinema e a televisão, narrativas nas quais há ainda pouco espaço para a interlocução direta e imediata com os espectadores. [3]
Grande parte dos recursos utilizados por quadrinhos digitais, desde a navegação até a maneira como a informação é processada/acessada, pode ser facilmente adaptada para outras formas de conteúdo, como o de educação formal, o que pode aumentar o interesse de alunos e melhorar sua capacidade de atenção em contextos educacionais. [6]
Os Santos
Os quadrinistas Leandro Assis e Triscila Oliveira retratam a relação de uma família de classe média com as suas empregadas domésticas, expondo de forma crua e sucinta o racismo que perpassa as cenas representadas. As histórias são publicadas no Instagram, sempre estruturadas em dez quadros. Os autores se valem do modelo de publicação de fotos da rede social, onde cada quadro ocupa o lugar de uma foto em uma publicação de múltiplas fotos, o último sempre reservado aos créditos da tira em questão. Título e numeração da tira são publicados na legenda da postagem correspondente. Seus leitores acompanham novas publicações em seus feeds, lendo/visualizando um quadro por vez.
Bear
Uma garota perdida na floresta precisa da ajuda de um urso mal-humorado para encontrar seus pais. A artista Bianca Pinheiro criou sua página na plataforma Tumblr para contar as desventuras dessa duplinha, com o uso sutil de alguns gifs que criam efeitos de sentido específicos dentro da narrativa. Publicadas semanalmente, as páginas contam com comentários da própria autora sobre o processo de produção ou simplesmente comemorando mais uma publicação e uma caixa de comentários para os leitores, que podem, inclusive, dar sugestões para os desdobramentos da narrativa.
Três arcos narrativos de Bear já foram publicados em mídia impressa, através de financiamento coletivo (e opções como o Kickstarter e Catarse mudaram o cenário dos quadrinhos, no Brasil e no mundo). Essas publicações são exemplos de como o processo de leitura/compreensão do texto passa por mudanças significativas na transposição do digital para o impresso. A autora faz uso de gifs ao longo da história, com imagens em movimento que têm sentido dentro da narrativa e que são notadas pelas personagens; no papel, esse sentido depende do texto verbal para alcançar o mesmo significado quando não existe o gif.
Gnut
O alienígena Gnut parte em uma aventura psicodélica por multiversos e realidades paralelas ao encontro de outras formas de vida, de cultura e de comunicação. Paulo Crumbim apresenta essa trajetória com o uso indiscriminado de gifs e trilhas sonoras específicas para cada página publicada. A narrativa, de caráter transmídia, conta com publicação web, livros impressos com financiamento coletivo, animação e game, os dois últimos em produção. O retorno de Gnut ao meio impresso é considerado como fenômeno de migração oposta, ou seja, ocorre a volta ao suporte que deu origem aos quadrinhos.
Referências
1 OLIVEIRA, Nayara Alves; RASLAM, Eliane Meire Soares. Os quadrinhos em Recife e Brasília: desenhos animados. Revista Anagrama: Revista Científica Interdisciplinar da Graduação Ano 7 – Edição 1: setembro – novembro de 2013. Disponível em: < encurtador.com.br/tCIR3>.
2 FRANCI, Lucas de Campos. Stranded: o desenvolvimento de uma história em quadrinhos e sua divulgação. 2016. 71 p. Trabalho de conclusão de curso (bacharelado – Design Gráfico) – Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, 2016. Disponível em: <http://hdl.handle.net/11449/156882>.
3 MACHADO, Liandro Roger Memória. Narrativas multilineares e o leitor de webcomics: um ensaio teórico sob a ótica dos estudos de recepção em comunicação. 3as Jornadas Internacionais de Histórias em Quadrinhos da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo. Disponível em: <encurtador.com.br/aehmW>.
4 SANTOS, Rodrigo Costa dos. Discutindo o gênero webcomic: o papel da avaliatividade no multiletramento crítico em língua inglesa. Disponível em: <encurtador.com.br/agEG0>.
5 GAMBARINI, Klaus Wagner Saglauskas. Retorno às origens: um estudo sobre a migração de uma webcomic para o papel. 5as Jornadas Internacionais de Histórias em Quadrinhos da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo. Disponível em: < encurtador.com.br/ehjE6>.
6 SANTOS, Rodrigo Otávio dos. O hipertexto e a navegação em webcomics. 6º Simpósio Hipertexto e Tecnologias na Educação. Disponível em: < encurtador.com.br/jsAQ7>.
7 MALLET, Thiago. Os quadrinhos e a internet: aspectos e experiências híbridas. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Belas Artes.
(todos os acessos em: 28/03/20)
Outras Fontes para pesquisa
CAMPBELL, T. A history of webcomics. The golden age: 1993/2005. San Antonio: Antartic Press, 2006.
EISNER, Will. Quadrinhos e arte seqüencial. 3.ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001. 154 p. Trad. Luís Carlos Borges.
EISNER, Will. Narrativas gráficas: princípios e práticas da lenda dos quadrinhos. 2.ª ed. São Paulo: Devir, 2008.
LUIZ, Lucio (org.) Os quadrinhos na era digital: HQtrônicas, webcomics e cultura participativa. Nova Iguaçu: Marsupial Editora, 2013.
McCLOUD, Scott. Desvendando os quadrinhos. São Paulo: M. Books, 2005.
McCLOUD, Scott. Reinventando os quadrinhos. São Paulo: M. Books, 2006.
MENDO, Anselmo Gimenez. História em quadrinhos: impresso vs. Web. São Paulo: Editora UNESP, 2008.
[Primeira formulação: Átila Augusto Morand]