Literatura Infantil (1880-1910)

 
Trabalhando                
O cão e os pássaros

 

 

SEM RUMOR.

 

VIERA de longe, o trêmulo velhinho,

Sacola ao ombro, recurvado o busto,

Pelas encostas agras do caminho,

Arrimado ao bordão, subira a custo.

 

Assentou-se ao portal, olhos cansados,

Um desânimo infindo a encher-lhe o rosto...

Toda a extensão dos plainos dilatados

Tinha a suave poesia do sol posto.

 

Caía a tarde aos poucos... Mariquinhas,

Recostada à janela, o olhar incerto,

Seguia o leve ondear das andorinhas,

Alto, no céu de róseos tons coberto.

 

Viu o pobre velhinho e o seu aspecto

Consternado, o tremor dos membros lassos,

A fadiga do gesto, o choro quieto,

E a lividez tristíssima dos traços.

 

E enoiteceu-lhe o rosto estranha mágoa,

Uma infinita pena, um vago anseio;

A comoção encheu-lhe os olhos d'água

E fez-lhe palpitar célere o seio.

 

Foi procurar Mamãe, e, após, radiosa,

Olhos nadando em celestial deleite,

Voltou, trazendo, mansa e cautelosa,

Uma caneca a transbordar de leite.

 

Desceu a escada rústica, abafando

Os passos, sem rumor, leve e macia

Vinha, nos ares límpidos, cantando

O nostálgico som da Ave-Maria...

 

E ela, sorrindo, os olhos cheios d'água,

Aliviou a fome do mendigo,

E, compassiva, ungiu-lhe a ignota mágoa

Na doçura da voz, no gesto amigo.

 

 

Trabalhando                
O cão e os pássaros