Literatura Infantil (1880-1910)

 
Prefácio                

 

 

O RELÓGIO.

 

RELÓGIO antigo e raro, obra de artista;

Caixa embutida em mimos de escultura,

E o mostrador ebúrneo, expondo à vista

Os ponteiros de exótica feitura.

 

Viera de longes terras, de países

Estrangeiros, longínquos, de além mares,

Que a gente em sonhos vê dentre uns matizes

De cenários e vistas singulares.

 

Viera... E, anos e anos, dia a dia,

Caminhando, os finíssimos ponteiros

Atravessavam penas e alegrias,

Lentos na angústia, no prazer ligeiros.

 

De pais a filhos, como jóia estranha,

Passara, sempre de afeições coberto;

E uma lenda graciosa o acompanha:

- Todo o lar, que o possui, é um céu aberto.

 

Nele os olhos do avô pairam tristonhos,

Revivendo a um clarão de horas extintas,

E o cortejo fantástico dos sonhos

Aviva o tom das nebulosas tintas.

 

Da pêndula ao rumor misterioso,

Criança e moço, outrora, adormecera...

Depois, ao mesmo som, viera-lhe o gozo

Dolorido, que o amor nas almas gera.

 

Anos após, junto ao primeiro filho

Vendo a esposa curvada, ainda o sentira

Palpitando qual seio... e trilho a trilho,

Na existência o rumor constante ouvira.

 

Mais tarde, homem o filho, viera um neto,

E outro, e mais outro - luminoso bando

De pássaros gentis, de um novo aspecto,

Que fazem crer no céu rindo e cantando.

 

E os pequenitos hoje é que o veneram;

Querem-no todos como a um velho amigo;

Nele as horas contando, o gozo esperam,

E enchem de flores o relógio antigo.

 

Prefácio