Literatura Infantil (1880-1910)

XLVI. O MORIBUNDO

Ficando só com o mais velho dos irmãos, o enfermo ainda pediu um pouco de água, e contou dificilmente a sua história, parando de frase em frase.

¾ Ah! Meu menino! Estou vendo que não tenho muitos minutos de vida! Eu ... já vinha... tão doente!

¾ Para onde ia?

¾ Ia a Vila Nova consultar um médico. Saí de Jaguarí à noite, porque tinha confiança no cavalo, e conheço bem estes caminhos. Mas, não sei como, rolei da sela... creio que tive uma vertigem... e vim parar aqui... Ai!... e a minha gente, que não sabe o que me aconteceu!

¾ Sossegue! ¾ disse Carlos ¾ o meu companheiro já foi prevenir sua família, e é impossível que ela não mande recursos para socorrê-lo!

¾ Manda... manda, com certeza! ¾ falou o velho, com a voz cada vez mais cansada ¾ no meu sítio... há bastantes trabalhadores... nós somos remediados... Mas... creio que os socorros... vão chegar tarde...

¾ Não! Sossegue! Não fale tanto assim, que se cansa inutilmente... O senhor está tão fraco!

¾ É que perdi muito sangue... devo ter... as costelas partidas! Acontecer uma desgraça como esta... a um homem velho... e doente, como eu!...

¾ Não fale mais, que isso lhe faz mal! ¾ pediu Carlos.

¾ Não! ¾ insistiu o enfermo ¾ sei que vou morrer... e quero dizer-lhe uma cousa...

¾ Diga.

¾ Olhe! Meta a mão... aqui, no bolso direito das minhas calças...

Carlos obedeceu, e encontrou um maço de dinheiro.

¾ Guarde... esse dinheiro, meu menino... Se eu morrer, antes de chegarem os socorros, pode... ficar com ele... É seu!

¾ Não diga isso! ¾ acudiu o menino. ¾ O senhor não há de morrer. Guardarei o seu dinheiro, para entregá-lo ao senhor, quando chegarmos à vila, ou à sua família.

¾ Não! Não!... é seu!... guarde-o... ¾ insistia o velho.

¾ Pois sim! Pois sim! ¾ disse Carlos, para não o contrariar... ¾ Mas sossegue! Não fale mais! Sossegue!

¾ O meu sossego... é a cova! ¾ gemeu o homem. ¾ Também, nesta idade, já é... tempo... de morrer... trabalhei muito, meu menino! Felizmente... deixo a minha gente amparada, e filhos e netos já criados... e encaminhados... na vida... É tempo de...

A voz ia diminuindo mais e mais a ponto de parecer penas um sopro. Carlos passou o braço por baixo da cabeça do ferido, e levantou-a, derramando sobre ela mais um pouco de água. O velho fechou os olhos, e não falou mais.

Carlos achava que o tempo custava extraordinariamente a passar. E os companheiros que não chegavam...

Felizmente, ouviu-se um tropel de cavalos.

Era o socorro esperado que chegava.