Literatura Infantil (1880-1910)
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IV. GARANHUNS
Na estação da modesta cidade, Carlos
e Alfredo ficaram parados por algum tempo, sem saber o que deviam fazer...
Foram depois andando, ao acaso, pelas ruas quase desertas, adormecidas, em silêncio, mal iluminadas,
marginadas de casinhas pobres e baixas. Áquela hora, quase ninguém estava fora
de casa; apenas alguns animais pastavam livremente, catando a erva que crescia
entre as pedras. Carlos voltava-se, ansioso, para um e outro lado, procurando
ver alguém, a quem pudesse perguntar onde era o escritório da Estrada de Ferro
de Águas Belas. Enfim, á porta de uma casa, viu um velho, que lhe deu a
informação desejada. Não era longe o escritório. Os dois meninos, reanimados,
estugaram o passo; o mais velho ia cheio de esperança, arquitetando planos
risonhos: ia saber notícias do pai, ¾ e era quase certo que lhes dariam pousada,
por aquela noite, quando soubessem que eram filhos do engenheiro. Mas quando,
ao chegar à casa indicada, viu fechada a porta, sentiu frio no coração. Bateu,
tornou a bater... Em vão. Por fim, um vizinho, abrindo a janela, indagou a
causa do rumor.
¾ Não é aqui o
escritório da Estrada?
¾ É. Mas aí
ninguém dorme.
¾ E não me sabe
dizer onde mora o engenheiro-chefe?
O homem deu indicações minuciosas, ¾ e os dois seguiram.
Mas, na casa do engenheiro-chefe, esperava-os nova decepção. Um criado, espanhol,
disse-lhes que o patrão não estava: tinha partido, na véspera, para uma viagem.
O pobre Carlos, cansado, enfraquecido, tonto de sono, ficou atônito e trêmulo,
no meio da rua, no silêncio e na treva, sem uma idéia. Que fazer? Que havia
de ser deles, ¾ e, principalmente, do irmãozinho, tão criança,
sem ter o que comer nem onde dormir? Lembrou-se de procurar um hotel: mas,
se gastasse o pouco dinheiro que tinha, como poderia alugar os animais? ¾ Pensava tristemente
nisso, quando deu pela falta do irmão. Procurou-o por todos os lados, aflito,
e ia gritar, chamar por ele, quando o viu sair, correndo de dentro de uma
padaria. Trazia dois pães...
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Menino
da tribo caiapó. Ao lado - o interior de uma habitação
de índios, da mesma tribo.
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¾ Onde achaste
esses pães? ¾ Perguntou Carlos.
¾ Quando
passávamos pela padaria lembrei-me que guardara cem réis, e comprei o nosso
jantar. Toma um pão.
¾ Não! Guarda-o
para ti, amanhã...
¾ Amanhã ainda
está longe... E como queres que o guarde para mim, quando sei que também tens
fome?
Andaram um pouco mais, comendo os pães;
Carlos ia com a morte na alma, vendo que o irmão tropeçava nas pedras do
caminho, já extenuado. Pararam no extremo da rua em que estavam. Já ali
rareavam as casas. Viram um casebre humilde, fechado, com uma larga cobertura
baixa, de sapê. Acolheram-se a esse abrigo providencial, aconchegaram-se, e
adormeceram logo.
Rompia a manhã, quando Carlos ouviu que o
chamavam:
¾ Iôiô! Iôiô!...
Coitadinhos!
Era a velha preta, que já haviam encontrado
no trem:
¾ Por que não
bateram à porta? Vamos, vamos para dentro! Coitado do outro! Como está
encolhidinho!
A boa velha levou-os para o interior do
casebre. Era uma choupana rústica, mas asseada, com paredes de barro preto, e
chão duro, batido de torrões. A um canto o fogão, ao centro uma mesa de madeira
tosca; alguns bancos de pau, e o catre, em que dormia a dona da casa,
completavam a mobília. A velha trouxe-lhes logo um grande pedaço de cuscuz, e
um mingau saboroso, espécie de papa mole, feita de milho azedo. Os dois rapazes
comeram, com vivo prazer, aquelas boas coisas, que lhes parecia terem caído do
céu. O pequeno Alfredo, fazendo honra ao banquete, não deixava de olhar toda a
casa, examinando tudo, a mobília, as cordas onde secava a roupa, e os
“registros” de santos pregados às paredes. Mas, o que mais lhe prendia a
atenção era o quintal, entrevisto através da porta do fundo. Assim que acabou
de comer, correu para lá. De um lado ficava uma pequena horta, onde, em
canteiros bem tratados, se alinhavam as couves, os quiabos, as ervilhas; do outro
lado ficava o cercado da criação: havia galinhas, patos, perus, um porco, e uma
cabrita. Tudo aquilo revelava um cuidado constante; tudo estava limpo e
varrido; e, contra o muro, enfileiravam-se as enxadas, os regadores, as
vassouras, as foices... Foi Carlos quem foi arrancar o irmão dali. O dia ia
alto, e era tempo de seguir viagem.
Abraçaram a boa preta, agradecendo-lhe a
hospitalidade generosa. Alfredo ainda levou um grande embrulho com amendoins
torrados, ¾ último presente
da caridosa africana. Seguiram, a caminho do escritório. Mas, antes de lá
chegarem, houve um episódio que os interessou. Caíram no meio de uma compacta
multidão, que cercava dois homens em luta. Eram dois do povo, engalfinhados,
rolando no pó, esmurrando-se. Ouviram apitos, e apareceram soldados. Alfredo,
atordoado deixou cair no chão o saco dos amendoins, e pôs-se a tremer.
¾ Não te
assustes! Que é isso?! ¾ disse-lhe o irmão.
¾ Não nos vão
eles prender, Carlos!
¾ Estás louco?
Pois não vês que eles não têm o direito de prender-nos?... Pois, se nada
fizemos... Deixa-te de tolices, e vamo-nos embora!
¾ Mas porque foi
que prenderam aqueles homens?
¾ Porque estavam
brigando, e podiam matar-se ou ferir-se.
¾ E quem os
mandou prender?
¾ As autoridades,
naturalmente...
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