Literatura Infantil (1880-1910)
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V. A CAVALO
Quando chegaram no escritório da Estrada
de Ferro de Águas Belas, Carlos e Alfredo encontraram um moço, engenheiro e
desenhista, que substituía o engenheiro em viagem. Chamava-se Cunha, era amigo
do pai dos dois rapazes, e recebeu-os com amizade e carinho.
¾ É bem exata,
infelizmente, ¾ disse ele a Carlos ¾ a notícia que
receberam. Seu pai, o Dr. Meneses, está doente. Fui eu mesmo quem lhes passou o
telegrama... Está doente, e bem longe daqui: se não fosse isso, já eu teria ido
visitá-lo, e teria vindo com ele para Garanhuns, onde há mais conforto. Mas
como posso ir até Boa Vista, à margem do rio São Francisco, quarenta léguas
acima do extremo da Estrada de Ferro de Piranhas?
¾ Tão longe
assim? ¾ Perguntou
Carlos, com espanto e mágoa.
¾ Sim. O chefe do
serviço quis mandar a Boa Vista uma pessoa de confiança, e seu pai foi o
escolhido. Assim que chegou, adoeceu. Comunicaram-nos logo a notícia, por
carta: e, como poderia tratar-se de coisa grave, não hesitei em passar-lhes o
telegrama que receberam.
¾ Bem! ¾ Disse Carlos,
depois de um segundo de reflexão. ¾ Iremos a Boa Vista!
¾ E seu
irmãozinho?
¾ Eu também irei!
¾ Exclamou
Alfredo.
¾ Impossível, meu
filho! ¾ Objetou,
compadecido, o engenheiro. ¾ A viagem é longa e penosa. É preciso viajar
vinte e cinco léguas a cavalo até Piranhas, seguir por estrada de ferro até
Jatobá, e daí subir, em canoa, quarenta léguas até Boa Vista. Essa não é viagem para uma criança.
¾ Seja como for,
quero ir! ¾ Teimou o
menino, já com os olhos cheios de água.
O Dr. Cunha compreendeu que nada conseguiria
insistindo. Foi logo dar as providências para a viagem: arranjou dois cavalos
mansos, contratou, para acompanhar os dois viajantes, um homem conhecedor dos
caminhos, e entregou ao mais velho dos irmãos o dinheiro necessário para as
passagens e as despesas miúdas. Deu-lhes além disso uma carta de apresentação
para o major Antônio Bento, que em Jatobá lhes forneceria os meios de subirem o
rio em canoas.
Eram duas horas da tarde, quando a pequena
caravana partiu de Garanhuns. A princípio, tudo correu bem. O guia era falador,
e tagarelava sem cessar, respondendo às perguntas dos meninos. A tarde era
linda e fresca. Alfredo divertia-se extraordinariamente com aquele modo, para
ele novo, de viajar: deliciava-se com o balanço do andar do animal, e ia
encantado, fazendo perguntas sobre perguntas. O próprio Carlos parecia menos
triste, menos preocupado com a doença do pai... Mas, depois de duas horas de
viagem Alfredo começou a sentir-se fatigado: doíam-lhe as costas e as pernas; voltava-se,
ora para um, ora para outro lado, procurando uma posição mais cômoda. Carlos
compreendeu o seu sofrimento, e tentou distraí-lo:
¾ Sabes para onde
vamos?
¾ Não. Para onde?
¾ Perguntou o
pequeno, já com os olhos acesos de curiosidade.
¾ Vamos para o Estado
de Alagoas, e na direção do Estado da Bahia. Não te lembras da capital da
Bahia, por onde passamos há cinco anos? É a cidade mais velha do Brasil. Foi
na Bahia que viveu o Caramuru.
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Arcos,
flechas, setas, arpão e machados, usados pelos índios
bororós.
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¾ Que Caramuru?
¾ Caramuru ¾ começou Carlos
a narrar ¾ foi o nome que
os índios deram a um certo Diogo Álvares, português, que naufragou na Bahia ali
por volta de 1510. Aprisionado pelos índios, Diogo Álvares ia ser por eles
comido...
¾ Comido?
¾ Sim. Os
selvagens do Brasil eram antropófagos, isto é: comiam os seus prisioneiros.
Diogo Álvares ia ser comido, quando teve a feliz idéia de fazer fogo, com a
espingarda que trazia, sobre um pássaro. Ouvindo o estrondo da arma, que não
conheciam, vendo o pássaro cair fulminado, os índios prostraram-se por terra, e
adoraram o náufrago português, a quem deram o nome de Caramuru.
¾ Mas, que quer
dizer essa palavra?
¾ Dizem uns que,
na língua selvagem, Caramuru queria dizer senhor do raio, filho do
trovão; e dizem outros que com esse nome designavam os indígenas uma
espécie de peixe elétrico, uma enguia, cujo contato fazia estremecer a mão que
a tocava. Seja como for, Diogo Álvares salvou-se, e viveu muito tempo entre os
índios, casando-se com uma rapariga da tribo, Paraguaçu, que, depois de
batizada, recebeu o nome cristão de Catarina. Quando, em 1534, Martim Afonso
chegou à Bahia, ainda encontrou Caramuru, que teve muitos filhos, e prestou
grandes serviços à colonização do norte do Brasil.
¾ Que história
interessante! ¾ Exclamou Alfredo.
¾ Houve também um
português, que naufragou mais para o sul, em 1512, em São Vicente, onde é hoje
a cidade de Santos, no Estado de São Paulo. Também esse, que se chamava João
Ramalho, escapou de ser devorado pelos índios e chegou a dominá-los de tal modo
que com eles viveu até idade avançada, constituindo família e sendo encarregado
mais tarde, por Martim Afonso, do governo da colônia ou vila militar de
Piratininga, que foi a origem da atual cidade de São Paulo.
¾ Mas parece
impossível que os índios pudessem comer carne humana! Que coisa horrível, Carlos!
¾ Ah! A vida dos
selvagens era muito diferente da nossa, em tudo...
¾ Como viviam
eles? ¾ Perguntou o
pequeno cada vez mais interessado.
Carlos não quis deixar de continuar a distraí-lo; e, enquanto os animais trotavam, falou deste modo:
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