Literatura Infantil (1880-1910)
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O patinho aleijado
Figueiredo Pimentel
Ora, uma vez,
estava uma velha pata chocando alguns ovos que pusera, deitada num ninho de
folhas.
E andava muito
intrigada, meio desapontada, por causa de um ovo, um só ovo, enorme, colossal,
estranho, que, sem ela saber como, viera parar no meio dos outros. Supunha ser
de alguma das aves que por ali passavam, e que, inconscientemente, o pusesse em
seu ninho, assim que ela começara a postura.
Estava a velha pata no choco, havia
já quase quatro semanas, e só faltavam quatro dias para os patinhos saírem dos
ovos, o que ela esperava com paciência, quando um belo dia, apareceu picado o
primeiro ovo.
Foi uma alegria em todo o bando, e
as comadres vieram dar-lhe os parabéns.
Ela, satisfeita, agradecia as
visitas, dizendo que, dentro de dois dias, tencionava levar os patinhos à lagoa
, para aprenderem a nadar.
Dias depois, saiu finalmente o
último patinho. Só faltava o ovo grande que, no entanto, nem sinal dava de
estar picado.
As outras aconselharam à velha pata
que abandonasse o intruso. Aquele ovo, evidentemente muito diverso dos outros,
enorme, não era dela; e, assim, cometia uma tolice vivendo em cima dele, a
chocá-lo. Patas houve que asseveraram poder até ser de um bicho, um ovo tão
grande; e que esse bicho, crescendo, poderia comer todos os patos do bando.
Mas a pata não ouvia tais conselhos.
Disse que queria ver que ave sairia dali; que aquilo era ovo de ave, se estava
vendo; e que, enquanto não saísse, ela não abandonaria o ninho.
Sete dias depois de sair o último
patinho, a velha pata viu o ovo grande picado, e apareceu um bicho, parecido
com pato, é verdade, mas todo torto, escuro e aleijado.
Depressa a pata se arrependeu de ter
chocado um bicho tão feio. Mas, como era boa, e não querendo dar o braço a
torcer, mostrando-se aborrecida de ter na sua ninhada um pato desgracioso,
repugnante, nada falou às comadres.
Na manhã seguinte, bem cedo, disse
para os filhos:
—
"Vamos,
meus patinhos, hoje é dia de sairmos do ninho; quero levá-los à lagoa e apresentá-los
às suas tias e a seu pai, o pato velho.
Quando a pata
apareceu, foi uma festa geral, e houve enorme alegria no bando. Todos a
felicitaram elogiando os patinhos.
Uma pata, porém, mais indiscreta,
reparou no patinho aleijado, e disse para as companheiras: "Onde ela teria
arranjado aquilo?"
—"Olhe que bicho a
nossa comadre chocou!"
Desde então,
não cessaram caçoadas, remoques, debiques, vaias dadas por todo o plumitivo
bando, na mãe e no filho. E a coisa chegou a tal ponto que a pata, aborrecida,
desgostosa, começou a odiar o aleijado.
No entanto, o
infeliz palpímede vivia modestamente, sem fazer mal a ninguém, sabendo nadar
melhor que todos, mas sempre repelido.
Alberto Figueiredo
Pimentel. Histórias da avozinha
(Rio de Janeiro: Ed. Livraria Quaresma, 1952), pp. 53-55.
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