Não
se fala nunca de tradução numa linguagem universal, fora de uma língua natural
(intraduzível - a traduzir)
On
ne parle jamais de la traduction dans un langage universel, hors d’une langue
naturelle (intraduisible - à traduire)
Jacques Derrida – 1998
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Por essência, não pode
haver signo sem significação, significante sem significado. É por isso que a
tradução tradicional de Bedeutung como significação, embora seja
consagrada e quase inevitável, ameaça confundir todo o texto de Husserl e
torná-lo ininteligível em sua intenção axial; e, conseqüentemente, tornar
ininteligível tudo o que depender dessas primeiras “distinções essenciais”. […]
Em alemão, pode-se falar da expressão (Ausdruck) como bedeutsame
Zeichen, como faz Husserl; não se pode, sem redundância, traduzir bedeutsame
Zeichen por signo significante, o que permite pensar, contra a evidência e
contra a intenção de Husserl, que poderia haver signos não significantes. […]
Tentaremos, entretanto, propor soluções que ficarão a meio caminho entre o
comentário e a tradução. […] Poderíamos, talvez, sem forçar a intenção de
Husserl, definir, senão traduzir, bedeuten por querer-dizer,* a um só tempo, no sentido em que um
sujeito falante, “exprimindo-se”, como diz Husserl, “sobre alguma coisa”, quer dizer, e no sentido em que uma
expressão quer dizer;1
e assegurarmo-nos de que a Bedeutung
é sempre aquilo que alguém ou um
discurso querem dizer: sempre um
sentido de discurso, um conteúdo discursivo. (p. 25 - 6)
* Em francês vouloir-dire. (N.T.)
1 To mean, meaning, são, para bedeuten, Bedeutung, felizes equivalentes de que não dispomos em francês.
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Estar
mal [avoir mal], fazer mal [faire mal], querer o mal [vouloir du mal], desejá-lo a alguém [en vouloir à quelqu’un]: eu já imagino o
sofrimento do tradutor ou da tradutora que queira respeitar cada um desses três
termos, de avoir [ter, haver]
até faire
mal [fazer mal], sem falar de vouloir
du mal [desejar o mal] para alguém. Tradução aparentemente impossível. A
língua francesa me parece ser a única a dar um destino, ou uma tal acolhida à
configuração inaudita e absolutamente singular a essas palavras, essas três
grandes palavras: avoir [ter, haver],
faire [fazer], vouloir [querer, desejar] e mal
[mal].
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E eu lá tenho culpa, nessa suposta impossibilidade de traduzi-lo? Nessa
impossibilidade de traduzir ao pé da letra?
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Não, claro, faz parte da língua. Tu herdas isso.
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Sim, ao contrário, veja o que eu faço dessa herança. Eu traio sua verdade.*
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O álibi ainda é inevitável? Não será muito tarde?
16
de julho de 2000
* Herdeiros da língua portuguesa, os
tradutores acreditam ter traduzido Derrida. Sem álibi. [N. da T.] (p. 92 - 3)
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Tradução de Érica Lima, 1998
Caro Professor Izutsu,
(…) Na ocasião de nosso
encontro, eu lhe havia prometido algumas reflexões – esquemáticas e
preliminares – sobre a palavra “desconstrução”. Tratava-se, em resumo, de
prolegômenos a uma possível tradução dessa palavra para o japonês [...]. Pois,
se podemos antecipar as dificuldades de tradução (e a questão da desconstrução
é também do começo ao fim a questão
da tradução e da língua dos conceitos, do corpus
conceitual da metafísica dita “ocidental”), não se deveria começar por
acreditar, o que seria ingênuo, que a palavra “desconstrução” é adequada, em
francês, a alguma significação clara e unívoca. Já existe, em “minha” língua,
um problema sombrio de tradução entre o que se pode ter em vista, aqui ou ali,
sob essa palavra, e o próprio uso, o recurso dessa palavra. Já está claro, de
antemão, que as coisas mudam de um contexto a outro, mesmo em francês. [...]
Percebo, caro amigo, que, ao tentar esclarecer uma palavra em vista de ajudar a tradução, não faço mais que multiplicar, com isso mesmo, as dificuldades: a impossível “tarefa do tradutor” (Benjamin) - eis o que quer dizer também “desconstrução”. (p. 19 e 23)
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Mal de Arquivo - Uma Impressão Freudiana,
1995
Tradução de Cláudia de Moraes Rego, 2001
47.
No final desta conferência, não sem ironia, imagino, com tanta profundeza
quanto espanto, mas, como sempre, com uma intratável lucidez, Geoffrey
Bennington observou que, ao sublinhar e portanto pôr em prática uma tal
intraduzibilidade, eu me arriscava a repetir o gesto que parecia estar pondo em
questão no outro, isto é, a afirmação do único ou do idioma.
Para resumir aqui a
resposta que dei, direi rapidamente três coisas:
1. Não falei de
intraduzibilidade ou de idiomaticidade absolutas, mas de uma maior economia
(tratava-se para mim de dizer em poucas palavras francesas, neste caso, nessa
ocorrência, o que se pode traduzir, de todo jeito, em toda língua, com
menos gasto); o que basta para mudar o sentido político deste gesto.
2. Acredito que a
afirmação irredutível e necessária de uma certa idiomaticidade, e de uma certa
unicidade, como de uma certa unidade diferante, isto é, impura
- e eu queria demonstrá-lo na prática. O que fazemos em seguida, com esta
afirmação e com esta impureza, é a própria política.
3. Digamos, enfim, que
quis usar, outro gesto político, de meu próprio direito à ironia e, expondo-me
assim na minha língua, dar um exemplo desta necessidade fatal, assim como de
seus riscos. (p. 106)
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Duas Palavras por Joyce, 1987
Tradução de Regina Grisse de Agostino, 1992
O que acontece quando
tentamos traduzir he war?
Nada,
tudo.
[...]
Em duas palavras, cada
uma das quais a cabeça, o capital, ou, se preferirem, o membro principal da
frase: o sujeito, o verbo.
Imaginem as máquinas de
traduzir mais poderosas e aperfeiçoadas, as equipes de traduções mais
competentes. Mesmo seu sucesso só pode ser um fracasso. Ainda que, numa
hipótese inverossímil, elas tivessem traduzido tudo, fracassariam em traduzir a
multiplicidade das línguas – e em conservar o que há de estrangeiro na
tradução. Elas apagariam este simples fato: uma multiplicidade de idiomas, não
apenas de sentido, mas de idiomas, deve ter estruturado este acontecimento da
escrita, que agora dita a lei. Ele terá ditado a lei em relação a si próprio.
Era, estava escrito ao mesmo tempo em inglês e em alemão.
Duas palavras em uma, war, e portanto um duplo substantivo, um duplo
verbo, um substantivo e um verbo que foram no começo. War é um
substantivo inglês, um verbo alemão, assemelha-se a um adjetivo nesta última
língua (wahr) e o que há de verdadeiro nesta multiplicidade ocasiona o
retorno, desde os atributos – o verbo também é um atributo: o que é ele? aquele
que foi – em direção ao sujeito que se encontra, ele, he, dividido desde a origem. (p. 32)
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Torres
de Babel, 1987-1998
Tradução
de Junia Barreto, 2002
Babel: antes de tudo um nome
próprio, seja. Mas quando dizemos Babel, hoje, sabemos o que nomeamos? Sabemos
quem nomeamos? Consideremos a sobrevida de um texto legado, a narrativa ou o
mito da torre de Babel: ele não forma uma figura
em meio a outras. Falando ao menos da inadequação de uma língua a outra, de um
lugar na enciclopédia a outro, da linguagem a ela mesma e ao sentido, ele
também fala da necessidade da figuração, do mito, dos tropos, das
circunlocuções [des tours], da tradução inadequada para suprir aquilo que a
multiplicidade nos interdiz. Nesse sentido, ele seria o mito da origem do mito,
a metáfora da metáfora, a narrativa da narrativa, a tradução da tradução. Ele
não seria a única estrutura a se aprofundar assim, mas o faria à sua maneira
(ela mesma por pouco intraduzível,
como um nome próprio) e seria necessário salvar seu idioma. (p. 11)
Seleção
de textos: Paulo Ottoni