Entre as áreas de desenvolvimento tecnológico que mais se ouve na atualidade, está a inteligência artificial. Quando tratamos dela, não conseguimos fugir, porém, de desejar prever o que será o futuro da humanidade. Por ser um tópico tão relevante quando se trata sobre as implicações de tecnologias sobre a sociedade humana, decidimos discutir o tema a partir do livro Life 3.0: being human in the age of artificial intelligence, escrito por Max Tegmark, cosmólogo professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts [1].

Embora há quase trinta anos se imaginasse cenários em que inteligências artificiais seriam perigosas para os humanos, seja atacando-os no mundo material [2] ou criando um reino tirânico digital [3], hoje convivemos com versões mais rudimentares de IA diariamente muitas vezes sem sabê-lo. Elas parecem, ao contrário do que todos temiam, pouco inteligentes e acabaram adentrando a casa das pessoas com o objetivo de ligar aparelhos eletrônicos, fazer telefonemas ou tocar músicas escolhidas por seu dono.

Não é sobre essa inteligência artificial que Tegmark quer discutir. Ele foca sua atenção na que seria chamada de inteligência artificial generalizada. Ao contrário de uma Alexa, tida hoje como mais um eletrodoméstico, a IA generalizada seria “consciente” e autônoma, isto é, teria a capacidade de aprender e de ter experiências subjetivas, o que, talvez, apenas retome um questionamento feito por John Searle em seu quarto chinês[4]: a IA realmente sabe ou apenas age como se soubesse?

A visão de Tegmark sobre esse cenário é tida como “prudente”, relacionada a uma corrente de pesquisa em IA que defende a IA autônoma como inofensiva, uma vez que ela nunca chegaria a ser consciente. O autor defende que não se deve ser um idealista, alguém cuja esperança sobre o futuro da humanidade está depositada sobre a inteligência artificial e na promessa de que essa irá cumprir a previsão dos futurólogos dos últimos anos: atingir a singularidade. Ao mesmo tempo, ele não se vê como um cético que não acredita em nada disso. Pelo contrário, ele dá um passo a mais e propõe que as pessoas se mobilizem para preparar um terreno seguro para um futuro certo.

As ideias de Tegmark se desdobram e tocam em questões determinantes para a concepção do próprio humano. Primeiro, a consciência. Ele defende ser possível uma máquina alcançá-la, mas, para isso, acredita, é necessário que se obtenha  conhecimento sobre quais processos físicos, no interior do cérebro, estão envolvidos no fenômeno da consciência. Se por um lado ele admite que a materialidade de um corpo biológico seja indispensável na constituição da consciência, por outro, ele defende uma visão fisicalista [5] de que há – e sempre haverá – algum tipo de interação física concreta e mensurável para os fenômenos do mundo, inclusive o da consciência.

Alexa, assistente virtual desenvolvida pela Amazon

Com relação ao conceito de consciência em si, ele tenta se apoiar na própria experiência subjetiva do humano. Este tem a capacidade de focar em determinados elementos, mas estar totalmente inconsciente sobre outros. Passaríamos, então, a estar conscientes de algo quando houvesse um deslocamento de fatores (ainda desconhecidos). Sendo assim, a experiência subjetiva é, para  o autor, resultado de um determinado alinhamento de elementos físicos. Logo, se os cientistas descobrirem quais são as condições, assim como as combinações necessárias, e conseguirem replicá-las, o mistério estaria resolvido.  

Em meio às promessas de uma vida 3.0 e a comparação de um ser humano consciente de uma inteligência artificial, há o entendimento  particular de que um sujeito humano pode ser descrito como um sistema cibernético. Nessa ótica, os seres vivos, assim como os mecânicos, resumiam-se a um sistema equilibrado, em que inputs, em determinados contextos, produzem os mesmos outputs, sendo tais outputs formas de modificar o ambiente, sendo esse, então retraduzido por retroalimentação, reajustando o sistema internamente e, assim, poderia se produzir vida. Daí deriva-se que, conhecer a fisicalidade do sistema é um passo para melhorá-la, gerando sua próxima versão, possivelmente independente do substrato biológico. No fundo, se queremos ter uma base consistente para refletir e questionar a construção de uma concepção de pós-humano, encabeçado por pensadores como Tegmark e outros, é necessário dar um passo para trás e olharmos a cibernética, por ser o campo que produziu um conjunto de saberes essenciais para seus trabalhos.

[1] TEGMARK, M. Life 3.0: being human in the age of artificial intelligence. Vintage Books, 2017. Livro discutido em nossa reunião de setembro. 

[2] No seriado Arquivo X, episódio seis da primeira temporada, cujo nome é “Ghost in the machine”, os investigadores do FBI precisam lidar com um elevador controlado por uma inteligência artificial.

[3] O longa Tron de 1982, feito pela Disney, conta a história de usuários que, uma vez transportador para o mundo digital, precisam lutar contra a ditadura de uma inteligência artificial sobre os outros softwares.

[4] O filósofo John Searle propôs o argumento do Quarto Chinês que nos ajuda a pensar sobre a possibilidade de uma máquina ser inteligente ou não.

[5] Fisicalismo é uma perspectiva que assume a existência de fatores físicos para explicar os fenômenos do mundo.