Para a primeira onda da cibernética, linguagem é comunicação e comunicação é troca de mensagens. Mensagem, em cibernética, é claro, abrange muito mais, mas também muito menos, do que o signo linguístico ou outros signos humanos. Ela é qualquer tipo de sinal composto por elementos encadeados de forma previsível/identificável que participe de um laco de retroalimentação (feedback) que conecte o sistema com seu ambiente. Assim, em cibernética, a palavra/o gesto/ a figura seria para o humano o que o feromônio ou a dança é para a formiga, a radiação solar ou os íons do solo para a planta, ou a variação de corrente elétrica para o circuito integrado. A partir daí, abre-se o caminho para outra “manobra” de Wiener que terá importantes consequências para o que se tornou hoje, a relação entre máquinas e humanos: 

“Ao dar a definição de Cibernética no livro original, coloquei na mesma classe comunicação e controle. Por que fiz isso? Quando me comunico com outra pessoa, transmito-lhe uma mensagem, e quando ela, por sua vez, se comunica comigo, replica com uma mensagem conexa, que contém informação que lhe é originariamente acessível, e não a mim” (p. 16).

Para o estudioso da linguagem, está clara a redução brutal implicada em equalizar comunicação e controle, já que o controle representa apenas um dos modos da linguagem, o imperativo, podendo a comunicação, em outras teorias da comunicação que não a matemática, exercer uma serie de outras funções [5]. Isso para não falar das modalizações, que permitem graus distintos de força a um imperativo, por exemplo, entre ordem, pedido e sugestão. Mais radical, ou simplista, ainda, é a manobra linguagem = comunicação = controle quando se pensa nos imperativos não expressos na superfície linguística, mas a partir de um “anexo” pragmático compartilhado tacitamente na cultura. Pode-se ordenar a uma criança que fique calada dizendo “quando um burro fala, os outros abaixo as orelhas”. Mas não se pode (ainda?) proibir Alexa/Cortana/Siri de falar dizendo-lhe “silêncio é bom” ou “boca de siri!”. O que dizer, então, sobre perguntarmos, sempre, aos outros, apenas aquilo que ainda não sabemos? “Você me ama?”, pergunta feita entre namorados(as) de forma estatisticamente bem significativa, por exemplo, é um pedido de informação?  

“Ademais”, continua Wiener, referindo-se ao feedback, “para o meu comando ser eficaz, tenho de tomar conhecimento de quaisquer mensagens vindas de tal pessoa que me possam indicar ter sido a ordem entendida e obedecida” (p.16). Aqui esbarramos novamente no problema da interpretação com compreensão, que é necessária se, de fato, espera-se que alguém faca algo com uma informação nova que até então na tinha, o que, é fácil suspeitar, não coincide exatamente, no mundo dos assuntos humanos, com a “mensagem entendida” na citação de Wiener. Me refiro ao “problema” da intencionalidade, essa “propriedade” dos fazeres e sujeitos humanos que, a bem dizer, psicanalistas, comportamentalistas e outros estudiosos não ratificam inequivocamente, e que, no entanto, é central na definição do humano pelo humanismo liberal a que o próprio Wiener parece aderir, ainda que ambiguamente, no livro (ver  a 3ª parte do post).

O que o reducionismo  linguagem = comunicação = controle de Wiener esconde aqui é que o sentido de algo que me é dito depende em grande medida de minha capacidade de entender a intenção de quem aquilo me diz quando o diz, ou, mais sutilmente, de provocar aquela intenção implicitamente ou disfarçar nossa intenção, mesmo falando de modo explícito. É possível considerarmos que animais e máquinas possam reconhecer, ou ao menos estimar, intenções de quem lhes dirige uma  palavra — em geral as interfaces de computador fazem inferências sobre isso a partir de comportamentos do usuário,  ou mesmo perguntam explicitamente qual seria a intenção do usuário a partir de um leque limitado de ações possibilitadas pelo sistema, como um menu. Contudo,  só humanos, até o momento, são capazes de fazer coisas como, por exemplo, perguntar se a visita quer mais um drink enquanto boceja sugerindo que é hora da visita ir embora, ou responder ao vendedor que já tem um bom fogão para evitar que um fogão novo lhe seja oferecido

De certa forma, então, com o fito de demonstrar que se pode reduzir linguagem a comandos, e, portanto, humanos e máquinas a sistemas cibernéticos semelhantes, Wiener acaba suscitando, em um leitor contemporâneo que tenha reflexão sobre a linguagem, um certo apego à ideia de excepcionalismo humano. Se isso, na verdade, traz ao leitor humanista de Wiener algum conforto, ao leitor que projeta sobre o texto certas teses pós-humanistas traz um estranhamento que é bastante significativo [CONTINUA NO PRÓXIMO POST]. 

[5] JAKOBSON, R. Linguística e comunicação. São Paulo (SP): Cultrix, 2010. 

[Veja também a Parte 1 e a Parte 3]