Pedagogia dos Multiletramentos

A pedagogia dos multiletramentos é uma proposta/movimento educacional desenvolvida pelo Grupo de Nova Londres (New London Group) – GNL entre 1995 e 1996. Diferente de um método ou abordagem de ensino, essa pedagogia é voltada para uma educação apropriada para contemporaneidade, especialmente uma educação linguística. De acordo com o GNL, o século XXI é atravessado por múltiplas linguagens e culturas, o que demanda dos indivíduos variados letramentos e/ou maneiras de interagir, ou seja, multiletramentos. Ao longo dos anos, a pedagogia dos multiletramentos têm sido reformulada. Os pesquisadores australianos Bill Cope e Mary Kalatantzis, participantes do Grupo de Nova Londres, têm sido responsáveis por variadas releituras da pedagogia, revisitando seus pressupostos a partir de abordagens e fundamentos de autores como Vigostki, Dewey e Freire, além de incluir cada vez mais práticas digitais em seu repertório.

A pedagogia dos multiletramentos tem sua primeira sistematização elaborada no Manifesto de de 1996, intitulado A pedagogy of multiliteracies: designing social futures e escrito pelo  Grupo de Nova Londres, que divide a pedagogia em 4 movimentos pedagógicos: situated practice (prática situada), overt instruction (instrução explícita), critical framing (enquadramento crítico) e transformed practice (prática transformada). A prática situada é uma contextualização do ensino, aproximando o aluno das práticas a serem trabalhadas. A instrução explícita é a aproximação do aluno dos conceitos e metalinguagens necessárias para estudar e analisar as práticas e objetos de aprendizagem mais profundamente. O enquadramento crítico é o momento de enfoque analítico e significativo para o que está sendo aprendido. A prática transformada é uma ressignificação do que está sendo trabalhado e proposto. Não há ordem sugerida para a realização dos movimentos pedagógicos, já que todos são complementares e podem se cruzar durante qualquer momento do processo de ensino. A relação desses movimentos didáticos com os designs é justamente o processo de contextualização e ativação do conhecimento e realidade dos estudantes (prática situada; enquadramento crítico – designs disponíveis), análise e interpretação dos designs (instrução explícita; enquadramento crítico – designing) e planejamento e produção de novos designs (prática transformada; enquadramento crítico – redesigning). É importante perceber que antes de qualquer conhecimento ou saber escola é atravessado pela realidade e percepção dos estudantes, preservando suas culturas, práticas e visões de mundo.

Os 4 movimentos pedagógicos foram revisitados por Mary Kalantzis e Bill Cope em diferentes momentos. Em 2006, no artigo de Mary Kalantzis intitulado Elements of a science of education, a autora sugere 4 conceitos, chamados de processos do conhecimento: experienciar (o conhecido; o novo), conceitualizar (nomeando; teorizando), analisar (funcionalmente; criticamente) e aplicar (apropriadamente; criativamente).  Em 2009, no artigo de Bill Cope e Mary Kalantzis Multiliteracies: New literacies, new learning esses processos substituem oficialmente os 4 movimentos didáticos propostos no manifesto de 1996. Essa modificação pretendia deixar mais explícitos os processos didáticos específicos de cada momento de uma pedagogia dos multiletramentos. Alguns autores, como Rojo (2012), teceram críticas à tal alteração, argumentando que os verbos que nomeiam os processos do conhecimento são meramente atualizações de pedagogias progressivas que buscavam reforçar o contato do aluno com o conhecimento por meio da experiência Nesse sentido, os movimentos didáticos não procurariam promover uma outra pedagogia, mas sim retornar às bases pedagógicas mais tradicionais. Em 2015, na antologia A pedagogy of multiliteracies: learning by design, os autores argumentam que essa sistematização dos movimentos pedagógicos seria uma maneira de encontrar um meio termo entre a disputa do ensino tradicional e do ensino progressista, ou seja, tornando pedagogias progressivas mais didáticas.


Novos letramentos e ubiquidade

Apesar de não mencionarem diretamente os novos letramentos ao longo de sua obra, Cope e Kalantzis integram a antologia The New Literacies (2010). Em seu capítulo desta antologia, ao lado de Anne Cloonan, os autores estabelecem uma relação entre a perspectiva dos novos letramentos e a dos multiletramentos. Originalmente, os trabalhos relacionados aos multiletramentos não efetuam uma discussão estritamente voltada para cultura digital e produção de sentidos na Web 2.0. Contudo, tal associação têm ganhado significativa expressão da primeira década dos anos 2000 até o presente momento. A partir de 2009, Cope e Kalantzis também têm discutido sobre ubiquidade, considerando que o ambiente digital promove a integração de sentidos, práticas e modalidades. Tais discussões estão presentes nos livros Literacies (2012) e A pedagogy of multiliteracies: learning by design (2015). No Brasil, autores como Roxane Rojo aproximam as duas perspectivas de letramentos digitais e multimodais em trabalhos como Multiletramentos na Escola (2012) e Escola Conectada (2013).


Referências:

COPE, Bill; KALANTZIS, Mary. The Things you do to know: an introduction to the pedagogy of multiliteracies. In: COPE, Bill; KALANTZIS, Mary (Orgs.). A pedagogy of multiliteracies: Learning by design. Springer, 2015.

COPE, Bill; KALANTZIS, Mary. “Multiliteracies”: New literacies, new learning. Pedagogies: An international journal, v. 4, n. 3, p. 164-195, 2009.

KALANTZIS, Mary; COPE, Bill. Literacies. Cambridge University Press, 2012.

KALANTZIS, Mary. Elements of a science of education. Australian Educational Researcher, v. 33, n. 2, p. 15, 2006.

KALANTZIZ, Mary; COPE, Bill; CLOONAN, Anne.  A multiliteracies perspective on the new literacies. In Baker, Elizabeth A. (ed), New literacies : multiple perspectives on research and practice, The Guilford Press, New York, NY, 2010, pp.61-87.

ROJO, Roxane. Pedagogia dos multiletramentos: diversidade cultural e de linguagens na escola. In: ROJO, Roxane; MOURA, Eduardo. (Orgs.) Multiletramentos na Escola. São Paulo: Parábola, 2012.

ROJO, Roxane. Gêneros discursivos do Círculo de Bakhtin e os multiletramentos. In: ROJO, Roxane (Org.). Escola Conectada: os multiletramentos e as TIC. São Paulo: Parábola. 2013.

THE NEW LONDON GROUP. A pedagogy of multiliteracies: Designing social futures. Harvard educational review, v. 66, n. 1, p. 60-93, 1996.

[Primeira formulação: Victor Schlude Ribeiro; contribuições: Jacqueline Barbosa]

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