Álvaro de Campos, um dos heterônimos de Fernando Pessoa, é quem nos diz que “Fernando Pessoa não existe, propriamente falando”. Também já foi dito que o Livro do Desassossego é “um não-livro dentro da não-biblioteca”. Desse livro e desse desassossego é que advém o neologismo – “outrar”, já conjugado, que dá nome a uma proposta de trabalho: outrarte. De neologismo a neologismo ressoa Lituraterra de Jacques Lacan para dizer do encontro, necessário e impossível, entre campos heterogêneos: a literatura e a psicanálise. Outrarte, porém, propõe-se a ampliar a reflexão sobre as relações entre outras artes – escultura, pintura, música – e a psicanálise.

Diferentemente dos propagadores do “trans”, o estudioso que se situa entre não permite que a psicanálise se apresente como um saber que, de um ponto de vista exterior e seguro, explicaria a obra artística. outrarte parte do dizer freudiano de que a obra precede o psicanalista; um dizer, não por acaso, retomado por Lacan em Homenagem a Marguerite Duras. O texto literário, como lugar do desassossego, homologamente à clínica, é que interroga a teoria, coloca-a à prova. Desperta. Lituraterra, retorna para marcar os sulcos produzidos pelo literário nos textos – teóricos ou mesmo ficcionais.

Cabe ao leitor [intérprete] marcar os pontos de irredutibilidade, inquietando e acomodando os restos constituintes. Cabe-lhe fazer as perguntas desassossegarem: Qual o estatuto da obra de arte na criação e construção da psicanálise freudiana? Como pensar os limites tensos entre ficção, teoria e ciência? Como lidar com a literatura como produtora de conceitos? Como pensar o estatuto do texto literário nos diferentes momentos das elaborações freudianas e lacanianas? Qual a relação entre o infantil e o poético? Como o corpo aí se apresenta? Qual a relação entre a escrita e a psicose? Entre romance e escrita de caso? Entre mito, tragédia e estrutura? Entre sintoma, sinthome e obra poética?

Seguindo, talvez, a formulação lacaniana de que o texto literário não é uma metáfora para o inconsciente, mas sim sua estrutura em ato, Shoshana Felman afirma que a literatura é o inconsciente da psicanálise. Logo, a crítica de Shoshana Felman desassossega, porque é um lugar privilegiado para pensar a complexa interimplicação entre literatura e psicanálise. Desse lugar, outras perguntas podem ser formuladas: o que significa ler depois de Freud? E depois do retorno a Freud de Jacques Lacan? Tais perguntas afastam a autora daquilo que se chamou psicanálise aplicada, para redefinir modos de ler, modos de formalizar os encontros entre os enigmas e impasses literários e psicanalíticos. É pensando a constituição de modos de ler que se pode reavaliar tanto as leituras classificadas como psicanálise aplicada quanto apreender dispositivos de leitura e análise que se fundam na psicanálise sem torná-la um modelo explicativo.

COORDENAÇÃO:

O centro deverá ser coordenado por, pelo menos, um de seus membros por um período de 2 anos, consensualmente escolhido pelos membros.

FORMA DE ENTRADA NO CENTRO:

Em princípio, farão parte do centro, na condição de pesquisadores-associados, todos os alunos que estiverem sob orientação (iniciação científica, mestrado, doutorado ou pós-doutorado) de um dos professores e/ou pesquisadores do centro, desde que o projeto se vincule ao tema do centro; a entrada de pesquisadores e /ou professores é decidida pelo conjunto dos membros que deverão discutir caso a caso sobre a pertinência e oportunidade da presença do candidato como convidado, face aos objetivos do centro. Alunos que não estejam sob a orientação dos membros poderão, eventualmente, ser admitidos como participantes, por um período determinado em função da duração de seu projeto de pesquisa. Os signatários dessa proposta terão o estatuto de membros-fundadores.

ATIVIDADES PROPOSTAS PARA ATINGIR OS OBJETIVOS DO CENTRO

A fim de sustentar a interlocução e produção continuada e sistemática dos membros do centro em diálogo com pesquisadores de outras instituições, e para submeter à avaliação crítica os trabalhos desenvolvidos, prevê-se a realização anual de uma jornada/simpósio/encontro/congresso de nível nacional ou internacional no Instituto de Estudos da Linguagem da UNICAMP ou em uma das instituições de pertença de seus membros; cursos de pós-graduação oferecidos nos diversos programas envolvidos na proposta; publicação, se possível anual, de um livro para divulgar os trabalhos e submetê-los à crítica; participação individual dos membros em congressos nacionais e internacionais; organização e apresentação de mesas-redondas em congressos nacionais e internacionais. O objetivo de tais iniciativas visa ao fortalecimento de intercâmbio com centros de pesquisa nacionais e internacionais dedicados ao tema Psicanálise e Arte.