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Sobre Línguas e Lichias: haicais e um testemunho

Julia Pantin

“Da lichia, o vermelho envolve a saliva. Pela palavra, seguimos o sabor de uma tarde. A luxúria que é compartilhar a língua. Instruí-la de memória e movimento.

Julia Pantin tenta despir do efêmero seus vocábulos, aquilo que fica, o gosto da lichia na língua que ainda alisa o céu da boca, verões adiante. É necessário extrair o doce, mantê-lo: ser a cigarra e a formiga; cantar sempre o possível.

Não por acaso, as duas figuras se encontram na mesma página. O labor existe e se mantém. Mas há a siesta. E, nela, o labor é o de lapidar o mundo pelo sonho. Enquanto isso, as formigas na barriga intimam ao olhar poético. Julia trabalha a natureza em sua liberdade. Ato religioso, a procissão, servindo ao contemplar o mundo. Tornar os atos puros, perenes dentro de seu temporário.

A imagem registrada não volta. É abandonada ao seu próprio estar. Um som que imortaliza uma sensação espontânea e extemporânea, mas que não conseguimos tocar. Nem mesmo em seu momento, uma vez efêmera; nem mesmo agora, uma vez passado, uma vez apenas linguagem. E como reduzir à linguagem? Decidir no som o que pulsa, escolher na língua o que não mais está. Desenhar apenas como aquarela, os limites diluídos, o traço necessário delicado, a pincelada que serve a dois movimentos. A água presente em cada página, em cada cor. 

Azul na cabeça
Papel em branco.
Água. E depois tinta.

A água dissolve os papéis. A tinta imortaliza o momento. A memória é a junção de ambas, como a aquarela – fluida, depende do olhar e de seus ângulos.” 

Rodrigo Luiz Vianna – Posfácio ao Da Lichia a Língua 

Lembro bem claro. Foi nos encontros do PsiArte que primeiro me deparei com o feminino. A elaboração foi vindo aos poucos, como é de ser. Fiquei pensando, e dando voltas, outras vezes só calando. Feminino é o fluido, é o imitar das águas? Ou é esse dizer pelas bordas, dizer com silêncio? O ser mulher, o se dizer mulher passa também por inventar outras formas de narrar?

Atravesada pela necessidade de inventar outros horizontes a um desespero pandêmico, ocidental, colonial, foi-me urgente inventar vida por entre bordas, e transbordar como desse. Assim foi surgindo, um poeminha aqui, outro ali, três vezes, às vezes com rima, às vezes com métrica contada, mais um desenho, mais uma mancha da aquarela… precisamente como os coelhos de Cortazar saindo aos montes pela garganta (aquele conto maravilhoso: Cartas a uma srta em Paris). A vida observada pela janela sugeria possibilidades, tempos, pausas, exigia maneira outra de escuta: a gente às vezes precisa do branco de uma página pra criar mais. Aí teve um dia que assim, meio do nada, uma mancha de aquarela disse. Verdadeiramente disse. Em sensualidade própria e feminina, fez voltas em meu corpo, inventou uma ontologia, um novo ser, descobriu a língua: 

Penso agora. Deve ser por isso, esse percurso todo que disseram da relação do  feminino com a pintura, o transbordar. Teve também o Didier Weill, em Nota Azul, propondo o diálogo do psicanalista com o pintor: “onde o homem, observado de todos os lados, fica transparente, eis que o pintor recorda-lhe que ele continua habitado pelo invisível”. 

Foi o Rodrigo Luiz, que assina o posfácio do livro que me acompanhou nessa jornada para ver o invísivel. Pois que o haicai, pede que o mínimo, uma paisagem de inverno, o chá esfriando a língua, seja um trabalho de ver, ouvir, diálogo com o que se desdobra à frente. Aprender a falar e a elaborar estes instante, no entanto, é coisa continuada, em travessia e que se deve valer de todas as formas de escuta – de si, do outro, dos bichos, das plantas. Foi essa a lição de escuta, necessária para redescobrir mundos e modos novos de falar, que os psicanalistas propuseram à poeta. Sou muito grata por todos os encontros, desde sempre e por manter este espaço em transborde. 

Sobre o livro 

Da Lichia a Língua: Haikais Colhidos da Tarde 

Haikais e aquarelas de Julia Pantin,
Edição de Eduardo Guimarães
Editora Fábrica de Cânones, 2021. 

Pré-lançamento 

04.12.21: Casa das Rosas
15h – Mesa de Diálogo: Literaturas e Sobrevivências – O que pode um livro, com Geruza Zelnys, Julia Bac, Julia Pantin, Eduardo Guimarães e Reynaldo Damazio 

Lançamento
11.12.21: Bar Patuscada
18h – Lançamento com Geruza Zelnys e  assinatura dos livros 

Espero vocês! 

Para reservar o seu, só entrar em contato: contato@juliapantin.com.br
Ou @lotuselichias

Texto e imagens: Divulgação da autora

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