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A AÇÃO DE UMA METÁFORA – Observações sobre a teoria do significante em Jacques Lacan

por Elisabeth ROUDINESCO

Tradução: Thales de Medeiros Ribeiro

Publicado originalmente na revista La pensée (n. 162/1972) e republicado com alterações no livro Un discours au réel : théorie de l’inconscient et politique de la psychanalyse (1973). [N.T]

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Os linguistas gostariam de se reservar o privilégio de falar da linguagem… Todo uso da linguagem se desloca na metáfora. (Jacques Lacan, Seminário inédito, março de 1971).[*]

[*] Trata-se da aula de 10 de fevereiro de 1971 (O seminário: livro 18: de um discurso que não fosse o semblante. A versão brasileira registra: “Os linguistas, os linguistas universitários, pretenderiam, em síntese, reservar-se o privilégio de falar da linguagem […]. Mas é curioso que os linguistas não vejam que todo uso da linguagem, seja ele qual for, desloca-se na metáfora.” (LACAN, [1971] 2009, p. 39 e 43).


O “ESQUECIMENTO” DOS LINGUISTAS

Em um seminário recente, Jacques Lacan declarou que seu ensino se dava “em torno” do desenvolvimento da linguística. Ao prestar uma criativa homenagem à Jakobson, ele declarou ainda, concedendo seus privilégios ao linguista: “O dizer não faz parte do campo da linguística. Eu faço ‘linguisteria’”. As “ressonâncias” do dizer definiriam assim o lugar da interpretação analítica.[i]

A teoria freudiana fala da linguagem. Fala do Sentido, do Desejo. Como ela fala disso? Usando de empréstimo, roubando palavras e conceitos de diferentes domínios do saber de sua época. Ainda não tendo nascido a linguística (ao menos em seu sentido moderno), Freud aborda a questão da linguagem nos termos da filologia, da gramática, da arqueologia (história das escritas antigas). Instaurando a cena do Inconsciente no lugar de todo discurso, Freud deixa a própria linguagem falar. Sonho, Desejo, deixar dizer… O dizer é aquilo que fica esquecido detrás do que é dito.[ii]

Deixando o sonho dizer, ele descobre que o desejo tende a se realizar ali, à meia-palavra, sem que absolutamente se saiba disso. Descobre que um “pensamento” é possível sem o “eu penso”. E mostra que o desejo não é nem o instinto, nem a vontade, nem a necessidade, que sua natureza é inconsciente e que ele se encontra em toda parte: lá onde isso fala, lá onde isso sofre,[iii] no sintoma e no lapso, no sonho e nas palavras. O desejo é inconsciente, ele “trabalha” o sonho e o sonho realiza esse trabalho do desejo. Pela primeira vez, Freud abre o campo do inconsciente ao conhecimento, dando-lhe um estatuto teórico. Ao deixar o sonho e o desejo dizerem, ele obriga todo discurso a fundar-se em seu “delírio”, a deslocar os limites de uma razão razoável [raison raisonnante].

Deixando falar a história dos mitos, ou a gramática ou a filologia, Freud as faz dizer o que elas dizem sem saber, não o que aí se oculta, mas sim o que se diz. Ele inaugura uma nova prática do discurso científico: este já não é mais tomado como modelo, mas como discurso no qual fala o desejo. Sem dúvida, Freud interroga a biologia, a sociologia e as diversas ciências constituídas de seu tempo, sem dúvida, empresta conceitos delas, mas, antes de tudo, põe em jogo o trabalho do sonho, o trabalho do deslocamento e do desejo, a ação de uma metáfora. Ao interrogar tais conceitos, Freud os submete à prova de uma verdade, ele os distorce, os traduz e os transforma, ele lhes impõe essa experiência do Sentido, sempre presente, sempre em outro lugar. A teoria freudiana não é nem uma hermenêutica nem uma grandiosa semântica que viria tomar o lugar de uma metafísica em declínio; ela não interpreta o sentido do mito, não dá sentido à língua secreta do sonho, não procura o que se “oculta” no discurso ou seu “conteúdo” profundo; ela capta no processo de uma transposição, por meio de um trabalho de tradução, o lugar preciso onde o sentido escapa, já que ele está presente em toda parte: o sentido é inatingível, senão em sua repetição, latente, mas nunca presente em lugar algum.

Transposição, deformação, tradução são os termos-chave que pontuam a elaboração de uma interpretação dos sonhos. É na linguagem da decifração e da transcrição que Freud designa a articulação onírica. O conteúdo manifesto é o sonho tal qual descrito pelo sonhador antes de ser submetido à investigação analítica, uma transcrição, uma tradução do conteúdo latente numa outra língua. Quanto a este último, ele é o conjunto de significações às quais resulta a análise de uma produção do inconsciente; é o sonho decifrado, que não aparece mais como uma sequência de imagens ou de rébus, mas como um discurso organizado. “Pensamentos oníricos – nos diz Freud – e conteúdo onírico se apresentam a nós como duas versões do mesmo conteúdo em duas línguas diferentes, ou melhor, o conteúdo (manifesto) do sonho nos aparece como uma transcrição dos pensamentos oníricos (conteúdo latente) para outro modo de expressão, cujos signos e regras sintáticas devemos conhecer pela comparação do original com a tradução.”[iv]

Se o sonho é provido de dois conteúdos, um nunca é o recipiente do outro. Se o manifesto é o relato deformado do latente, nenhum dos elementos do manifesto representa “diretamente” uma parte do latente. O sentido circula de um plano ao outro sem prejulgar uma significação precisa; um sentido pode ser dado ao sonho por meio de um trabalho de transformação (a interpretação), jamais pela decupagem de unidades correspondentes. Se o sonho é discurso, ele não pode ser a soma dos signos que o compõem, signos estes que só existem em sua transformação permanente.

O sonho tem a estrutura de uma frase, ou seja, ele escapa a toda análise de tipo taxinômica que reduziria a frase a uma sequência de símbolos ou de unidades. O simbolismo do sonho descrito por Freud é de uma ordem totalmente diferente que o simbolismo da representação: ele repousa sobre a colocação em evidência de um “trabalho” do sentido.

O sonho se define pelo que se passa entre os dois conteúdos, pelos deslizamentos e translações, em suma, por toda uma organização trabalhadora. O conteúdo latente diz de outro modo o conteúdo manifesto, ao passo que o conteúdo manifesto diz de outro modo o conteúdo latente, deformando-o, transcrevendo-o. Por um efeito de metáfora, essa proposição freudiana abre ao inconsciente sua via régia, já que o inconsciente assim procede e o sonho descobre tal efeito.

Dar estatuto ao inconsciente pela via do sonho e dar sentido ao sonho pela via do desejo era, certamente, um desafio. Era preciso precaver-se de todos os lados, dos antigos e da tradição popular, bem como dos sábios e dos médicos, e, logo, dos discípulos. Era preciso precaver-se do passado, mas também do porvir, desses “retornos” que já se anunciavam. Retorno de um subconsciente obscuro e mítico no inconsciente (Jung-Bachelard), retorno do Eros e da transgressão no desejo (Bataille), positivismo de um inconsciente-sinal (Semiologia). Uma coisa é certa: se o sonho não é mais essa sequência de símbolos na qual os antigos podiam ler seu destino, se já não é essa soma de signos que possuem forma e conteúdo, se já não se liga às coisas, mas ao desejo, se o desejo não mais é o Eros filosófico (etc.), então qualquer forma de expressividade do inconsciente se encontra posta em causa: tanto o idealismo do inconsciente mítico ou reservatório do sentido, como o positivismo do inconsciente-estrutura (semiologia-semântica). Quanto ao “outro” da consciência, o inconsciente ao “avesso”, ele vagueia do ego filosófico à “pessoa” psicológica sem encontrar sua matéria. Portanto, não há para o sujeito da experiência freudiana nem avesso nem direito, mas um percurso (esquematizado pela banda de Möbius) – e o inconsciente, segundo uma bela expressão de J. Lacan, é um “não-eu” (“pas-je”), não a negação do sujeito, mas sua causa, de onde se põe a questão de sua existência.

Realiza-se, então, um trabalho entre dois conteúdos, no qual ocorrem até mesmo alguns processos contraditórios. Assim, o trabalho de elaboração do sonho permite a transformação do conteúdo latente em conteúdo manifesto, enquanto o trabalho de interpretação suprime o trabalho de elaboração por um trabalho inverso, de transformação do conteúdo manifesto em conteúdo latente. Um terceiro tipo de trabalho, que é a precondição geral da função do sonho, define a deformação que se opera entre o sonho latente e o sonho manifesto. Ele se efetua de dois modos: a condensação, em que o manifesto aparece como uma tradução abreviada do latente; e o deslocamento, obra da censura, em que a deformação é maior na medida em que o sonho latente tem um conteúdo sexual mais importante.

Desse ponto até definir o inconsciente como linguagem, até apreender nele uma instância do significante, até enfim designar um efeito de metáfora e um efeito de metonímia nos dois modos de trabalho do sonho, havia apenas um passo a ser dado. Esse passo consistia em traduzir o discurso de Freud, em dizer de outra forma a mesma coisa que ele disse. O percurso lacaniano põe um certo número de problemas: se o inconsciente é estruturado como uma linguagem, o que dizer da natureza da linguagem em si mesma? De que estrutura se trata? Se o sujeito é um efeito do significante, qual relação este último mantém com as hipóteses saussurianas sobre a natureza do signo linguístico? Por fim, se a retórica for “reanimada” no quadro de um modernismo linguístico, tratar-se-ia aí de um retorno da retórica na linguagem, de uma nova “figuração” ou expressividade do inconsciente? Trata-se da elaboração de uma semiologia freudiana sob o modelo da linguística estrutural?

Aqui se coloca novamente a questão dos empréstimos, e se o ensino lacaniano se dá “em torno” do desenvolvimento da linguística. Esse “em torno” é o que nos interessa, pois a psicanálise não tem a linguagem como objeto, mas a linguagem lhe permite cercar seu objeto, o objeto do desejo. A hipótese de um inconsciente-linguagem torna possível uma compreensão do inconsciente como sempre transposto/transponível, atingível pelas leis da linguagem e detectável numa fala que o diz. O acesso ao inconsciente, que passa pela linguagem, se define na intersubjetividade do discurso, e não mais na relação individual/coletivo da sociologia. A linguagem constitui uma comunicação em que o emissor recebe do receptor a sua própria mensagem de forma invertida.[v] Mas, como aponta M. Safouan, “essa divisão entre emissor e receptor não se distribui sempre entre duas pessoas. Ela é, desse modo, intrassubjetiva antes de ser intersubjetiva”. Que o inconsciente do sujeito seja o discurso do Outro só reforça a noção de intersubjetividade, e põe em causa todas as concepções instrumentalistas relativas à linguagem.[vi]

Em certos aspectos, Lacan permanece tributário de uma concepção estrutural da linguagem, isso pelo próprio fato de que suas referências à linguística são historicamente determinadas. Ele empresta seus conceitos de Saussure, de Jakobson, dos formalistas russos e da fonologia praguense, ou seja, de um período do desenvolvimento da linguística marcado por Saussure e pela ideologia pós-saussuriana. Genebra, 1910, e Petrogrado, 1920, dizem bem que, se o instrumento faltou à Freud, privar-se dele, para Lacan, seria faltar com a sua teoria, uma vez que o instrumento freudiano, sem dúvida, também permite não faltar com o essencial da linguística saussuriana e apreender nela precisamente aquilo que os linguistas não viram.[vii] Saussure está à frente dos trabalhos dos linguistas pós-saussurianos, assim como Lacan, através da ferramenta freudiana, está sempre à frente dos próprios linguistas quanto ao lugar do sentido e ao estatuto do sujeito.

Pela virada do retorno a Freud, Lacan já enuncia o impasse do estruturalismo, da semântica, da semiologia. Por sua formulação de um sujeito veiculado pelo significante, ele anuncia o perigo primordial de uma teoria da linguagem que, ao recusar a hipótese do inconsciente, vê ressurgir a todo momento a presença de um sujeito psicológico, ora carregado pelo peso do estímulo-resposta, ora dobrando-se sob os auspícios das “estratégias de percepção”, talvez nos estábulos do lógico-positivismo. Lacan apenas repete o discurso freudiano, dizendo aquilo que esse discurso diz. Ele diz aos funcionalistas e aos glossemáticos que o signo está “partido” em Saussure, que não há nem hierarquia nem dupla articulação na linguagem, que o sentido não “nasce” nas unidades, que a linguagem-instrumento e a língua-ferramenta são os grandes álibis do pragmatismo da “comunicação”, que o discurso não tem nada para comunicar, mas representa a própria existência da comunicação. Diz aos semanticistas que o sentido não tem sentido, que o sentido não está ali onde eles acreditam. Diz aos semiólogos e aos homens das ciências humanas que o objeto deles se define pela exclusão do sujeito, o único recebido como tal pela psicanálise, que pode torná-la científica. Diz aos lógicos a ausência da metalinguagem, a natureza metafórica da linguagem. Finalmente, diz aos psicólogos e aos psicolinguistas que o sujeito não sabe o que diz, que o inconsciente dispõe de sua fala como elemento de uma encenação (mise en scène).

Uma certa relação do inconsciente com a linguagem se encontra enunciada por Freud. Lacan resume tal relação em duas fórmulas, emitindo assim a hipótese (que não era aquela de Freud) de um inconsciente-linguagem: “O inconsciente é estruturado como uma linguagem…” “A linguagem é condição do inconsciente”. O “estruturado como” designa o inconsciente como linguagem e não como estrutura. Certamente, a fórmula é ambígua e, se o inconsciente é “essa cadeia de significantes que em algum lugar (numa outra cena) se repete e insiste…”,[viii] o estruturado em questão incontestavelmente faz referência a esse sistema de sons da linguagem determináveis por seus traços diferenciais, tal qual Troubetzkoy o descreve a partir do modelo saussuriano do valor negativo e diferencial do significante. Contudo, o sistema de fonemas (ou o sistema de unidades da língua) nunca serve de modelo para dar ao inconsciente o seu estatuto. Isto é, se há uma referência constante de Lacan às concepções estruturais sobre a linguagem, a estrutura, longe de ser tomada como esquema geral de uma teoria, se encontra incessantemente deslocada (pela lei do desejo). Já o “estruturalismo” é recebido como tal: a “banheira” onde Saussure e a fonologia praguense foram imersos pelos linguistas, semiólogos e semanticistas.

Nessa hipótese, a linguagem e suas leis dão ao inconsciente o seu estatuto. A esse respeito, o desenvolvimento dos trabalhos da linguística pode apenas precisar o sentido da relação inconsciente/linguagem. No entanto, é necessário adicionar a isso uma terceira fórmula que completa as duas primeiras e define não mais a ligação do inconsciente à linguagem, mas sim a ação do inconsciente no campo de uma teoria da linguagem. “O inconsciente é a condição da linguística”. Sem dúvida, os linguistas podem produzir conhecimentos valiosos em seu domínio, porém o reconhecimento da descoberta freudiana é uma das principais condições do progresso de sua ciência. E se, à propósito de Freud, Lacan provoca o desprezo dos linguistas, é, sem dúvida, para chamar a atenção deles para esses “becos sem saída” que os aguardam (semântica-psicologia) quando negligenciam as hipóteses da psicanálise.

A linguística saussuriana serviu de modelo para a elaboração de uma ciência dos fonemas.[ix] A fonologia, por sua vez, foi utilizada como esquema geral para a construção de uma nova antropologia, “estrutural”.[x] A crítica literária também se converteu, baseando-se amplamente no projeto saussuriano de uma semiologia (ciência geral dos signos) e tentou fundar um tipo de taxinomia dos discursos cuja ideologia dominante foi o positivismo sociológico.[xi] Em resumo, se a linguística era essa ciência-piloto para diferentes domínios do saber, é porque ela, ao invés de lhes emprestar conceitos, foi tomada como sistema de referência e também copiada, ela era esse “simulacro” capaz de dar conta de todas as formas de expressões humanas. Ocorreu com o modelo linguístico o mesmo deslocamento ideológico que tinha se operado com o modelo edipiano. Tendo Freud descoberto a fábula do assassinato do pai na origem de toda vida social, concluiu-se, com isso, que havia uma universalidade do tabu do incesto e se estudou o funcionamento de diferentes sociedades sobre a base de uma presença generalizada do “complexo” de Édipo, sem ver que as racionalizações freudianas nesse domínio são como o saboroso só-depois [après-coup] de uma teoria que dá ao inconsciente o seu ser.[xii]

Freud conta histórias aos antropólogos e sociólogos, assim como as conta a si mesmo, sem dúvida, para provar a si que ele tem razão; ele mostra que o complexo é uma fantasia [fantasme], assim como Édipo e a origem, e que o inconsciente não é o mito, mas que ele produz o mito.

O mito não é um modelo do inconsciente. Também não se pode mais aplicar a este último o modelo linguístico. Em psicanálise, a referência à linguística é de uma ordem complemente diferente.

Trata-se de tomar a linguística como uma linguagem, de fazer seus conceitos falarem sobre uma “outra cena”. A “linguisteria” é esse jogo que consiste numa mudança de papeis. A verdade do dizer surge da própria linguagem, onde aparece a ilusão da metalinguagem e o engodo de um mestre [leurre d’un maître] (o linguista) que se autoriza a manejá-la. A “mudança de papeis” designa então esse limiar do discurso analítico em que o inconsciente emerge do desejo histérico.[xiii] A psicanálise não entra no campo das ciências humanas, não difunde um saber ideológico sobre o homem, mas tenta subverter o saber introduzindo nele a verdade do desejo.

 A LOTERIA E O TRAÇO

É possível dizer que a leitura lacaniana de Saussure começa com um gracejo. Somente a “barra” que separa o significado do significante parece reter a sua atenção; a barra, ou seja, algo da ordem de um corte onde o sujeito se instaura como tal, clivado, em sua relação com o significante. A teoria saussuriana do signo já é muito diferente das teorias das antigas gramáticas. Nela, o referente se encontra afastado do signo, o significado não é mais pensado como um “conteúdo”, mas como um elemento diferencial, opositivo e negativo; a significação se encontra reduzida a uma combinação positiva (Sé/Sa), delimitada, porém insuficiente para fazer valer as unidades de uma língua. Só a teoria do valor dá seu estatuto ao signo, definindo-o por meio de seus “entornos”. Com Lacan, o signo é novamente “rompido” pelo efeito da metáfora freudiana. A barra reenvia ao transposto/deformável do trabalho do sonho: à metáfora (condensação), quando ela está atravessada, e à metonímia (deslocamento), quando não está (cf. abaixo). As duas partes do signo saussuriano se definem por meio de uma decalagem, de um “deslizamento incessante do significado sob o significante sempre em ação”.[xiv]  O signo perde totalmente o que lhe restava de positividade, dado que o significado está sempre recalcado, o referente nunca é o adequado (impossível), e o significante é determinado por sua relação com um outro significante numa cadeia. Ele é designado como esse traço (diferencial) que instaura o sujeito em seu corte, ao passo que a significação se encontra diferida.

Negligenciando a hipótese estrutural de uma língua sistema de signos, Lacan põe o dedo na engrenagem de uma teoria do sentido – Freud assim o permite –, de um sentido que certamente não tem o sentido que lhe atribuem os semanticistas, pois há sentido na medida em que as relações de significante a significante “procedem” por efeito de deslizamento e de substituição, onde tais relações fazem sentido para um sujeito. Dito de outra forma, o sentido vale por seus disfarces, vale na medida em que o desejo se inscreve no trabalho do sonho, em que o próprio sonho não é nada mais do que o desejo “em vias de se enunciar”; vale pelas vias de suas transformações. Se o inconsciente é ordenado pelas leis da linguagem, ele não é jamais uma estrutura, não é jamais esse reservatório em segundo plano de signos dissimulados à consciência, pois então não seria mais a Saussure que conviria fazer referência, mas, para além do “modelo linguístico”, ao fosso do arquétipo junguiano, ao grande reservatório do arquitraço inscrito.

O inconsciente “procede”, fala por processos e, quando se sabe qual relação existe entre a linguagem da psicose e o processo linguístico, é possível se perguntar se todo o percurso lacaniano não repousa sobre uma certa “psicotização” do inconsciente, reenviando não ao estabelecimento de uma norma (psicose/não psicose), mas revelando a presença de uma estrutura psicótica em todo discurso, pois não há anomalia na linguagem. Ao mesmo tempo, tal posição denunciaria qualquer tentativa de classificar, sem levar em conta a hipótese do inconsciente, os diferentes tipos de discurso segundo seu “grau” na hierarquia do normal e do patológico (psicolinguística, neurolinguística, patologia da linguagem, amplamente influenciadas pela ideologia estruturalista). Seria interessante mostrar que, na esteira de Freud, Lacan leva adiante um trabalho teórico (elaboração de conceitos, determinação de um campo específico da psicanálise etc.), enunciando o próprio discurso do inconsciente;[xv] isto é, ele inclui a dimensão do delírio no quadro da teoria, o que tende a suprimir o estatuto do delírio em sua determinação psiquiátrica (por exemplo), nomeando a dimensão do desejo e, ao mesmo tempo, a instância paranoica da consciência humana. O inconsciente (em sua natureza “pré-ontológica”) e o sujeito (em sua “divisão”) viriam então a testemunhar um engano, incessantemente em operação na psicologia, que se alimenta da unidade da pessoa. Perceber-se-ia, como assinala Freud, que Schreber, o psicótico, disse a mesma coisa que ele, Freud, que submeteu suas memórias à análise. Perceber-se-ia, para permanecer no domínio da linguagem, que um bom número de discursos sobre a gramática ou a fonética,[xvi] considerados “delirantes” por psiquiatras ou linguistas, falam sobre a loucura e a linguagem das verdades que escapam precisamente aos psiquiatras e aos gramáticos; é até mesmo muito frequente que tais discursos precedam os trabalhos da ciência. Estou pensando aqui numa obra como a de Jean-Pierre Brisset, a Gramática Lógica,[xvii] cujas hipóteses enunciadas sobre um modo dito delirante não seriam contraditas pelas de Chosmky. A esse respeito, o percurso lacaniano face à filosofia ou à gramática é, de todo modo, semelhante àquele de Freud.

Ao evocar a barra, o corte, a lei da castração e o traço (diferencial), Lacan, por sua vez, assim nomeia o inconsciente: “essa lei pela qual a enunciação jamais se reduzirá ao enunciado de qualquer discurso”.[xviii] O sujeito é designado por um percurso (cf. a banda de Möbius).

Nessa hipótese, o que se nota na fórmula tirada de Saussure S/s é a função de corte no discurso, reveladora de uma descontinuidade do sujeito no real. Na identificação do sujeito ao significante, situa-se a função do traço unário, que, enquanto elemento da “bateria significante”, se marca por ser uma pura diferença. Essa função do traço diferencial é indicada por Freud na noção de “identificação parcial”, que especifica um modo de relação do sujeito ao objeto irredutível a qualquer teoria idealista do conhecimento, a saber, que o sujeito empresta ao objeto somente um de seus traços; esse empréstimo (emprunt) é uma “impressão” (empreinte) (sem reflexo). O sujeito pega o traço do objeto sem que a tomada do objeto (sua apreensão) esteja, por isso, subordinada a um primado do “pensamento” sobre o “ser”. O traço unário sela, desse modo, a ligação da identificação à repetição na cadeia significante.

O sujeito é representado na cadeia por um significante para um outro significante, sendo eminentemente descentrado, em exclusão interna a seu objeto: “com efeito, foi justamente à chamada revolução coperniciana que o próprio Freud comparou sua descoberta, ressaltando que aí estava mais uma vez em pauta o lugar que o homem confere a si mesmo no centro de um universo. O lugar que ocupo como sujeito do significante, em relação ao que ocupo como sujeito do significado, será ele concêntrico ou excêntrico? Eis a questão”.[xix] Vemos aparecer aqui, na função da barra e no descentramento do sujeito, esses efeitos da transformação e do deslizamento localizados por Freud no trabalho do sonho. Como atua aí esse trabalho de supressão do trabalho de elaboração, quero dizer, a interpretação? Lacan faz novamente uma leitura particular da dicotomia saussuriana sincronia/diacronia. O significante é o que falta ao sujeito na cadeia para que ele seja introduzido ao sentido de seu desejo. Pôr um elemento faltante em seu lugar levaa ler a existência de um segundo corte, onde a diacronia dos significados deslizantes volta à sincronia constituída por uma cadeia significante: “A interpretação, para decifrar a diacronia das repetições inconscientes, deve introduzir na sincronia dos significantes que nela se compõem algo que, de repente, possibilite a tradução – precisamente aquilo que a função do Outro permite no receptáculo do código, sendo a propósito dele que aparece o elemento faltante”.[xx] A dicotomia saussuriana sincronia/diacronia era uma questão incômoda para os linguistas que se inspiram nas teorias do genebrino. O essencial dessas teorias, disseram, estava enunciado nas primeiras 191 páginas do Curso de Linguística Geral reunidas por seus alunos.[xxi] A concepção de uma língua código e sistema de signos ligava-se indissoluvelmente ao desenvolvimento do método sincrônico. Era preciso lutar contra uma tradição que, da gramática à fonética, colocava a evolução em primeiro plano. “Sincronizou-se”, assim, o conjunto do percurso saussuriano segundo as necessidades da “estrutura e da estaticidade”, deixando de introduzir aí, quando se era necessário, um pouco de “dinâmica”. Em suma, o método sincrônico, tendo dado seus frutos nos domínios da fonologia, calcou a pesquisa linguística sobre o modelo fonológico, introduzindo a sincronia na diacronia. Dessa “pós-sincronização” da abordagem saussuriana resultou um tipo de fixação ideológica de seus principais conceitos. À uma linguística da língua se sucedeu uma classificação hierárquica das unidades do código, a problemática da frase foi rejeitada em proveito de uma descrição dos enunciados concretos (segmentação-substituição), a teoria do signo foi pensada sobre um modelo de significação, a língua tornou-se puro código e a linguagem um instrumento, enquanto a fala se congelou na mensagem; psicologizou-se Saussure: lá onde o sujeito estava ausente – indicado, senão, por sua fala e por seu discurso (oposição língua/fala/discurso) –, pôs-se no lugar um locutor-emissor-perceptor (estímulo-resposta); vive-se no projeto ideológico de uma grande semiologia sincrônica, o aporte maior da teoria saussuriana.[xxii]

Pela virada de Freud, Lacan se endereça outra vez à negligência dos linguistas, dado que, para Saussure, o sistema é apenas momentâneo e os fatos diacrônicos, se lhe são irredutíveis, ainda assim condicionam o sistema sincrônico. Há uma simultaneidade dos fenômenos linguísticos ligados a uma irredutibilidade das duas ordens.

Essa irredutibilidade é apontada por Lacan na barra que separa dois tipos de fenômenos simultâneos (sincronia dos significantes/diacronia dos significados), enquanto um trabalho de tradução (referência ao latente e ao manifesto) torna a interpretação possível e a colocação do significante faltante na cadeia. A propósito da língua, Saussure fala do jogo de xadrez; ele mostra também que não há jogo sem “lances” (coups), esses lances do xadrez que põem em movimento uma peça por vez, se relacionam com outros lances, de outros jogos, o “lance de dados” [Coup de dés], por exemplo,[xxiii] onde o acaso desempenha, sem dúvida, um papel muito maior do que no jogo de xadrez. Mas que lance é esse que não abole o acaso? O que é esse acaso dominado pelas regras, esse vai-e-vem da ordem e da desordem?  O jogo do desejo e do acaso faz com que, para o sujeito, o ato falho seja um discurso bem-sucedido, e o lapso seja não o erro, mas a verdade; do mesmo modo, as “associações livres” só tem liberdade quando dominadas pela determinação simbólica (isto é, a sobredeterminação freudiana). Ao jogo de xadrez e ao lance de dados, Lacan prefere a loteria. O isso é essa instância inorganizada, nem reservatório de pulsões, nem caixa de símbolos, mas desordem: do lado da sincronia, reina a desordem, e a ordem na diacronia: “Quer se tome o significante, muito simplesmente, por seu aspecto de materialidade irredutível que a estrutura comporta, por ser a dele, quer se o evoque sob a forma de uma loteria, evidencia-se que no mundo somente o significante tem o poder de suportar uma coexistência – constituída pela desordem (na sincronia) – de elementos em que subsiste a ordem mais indestrutível que se manifesta (na diacronia)”.[xxiv]

Se o significante é “parte” da cadeia, ele não está incluso no sistema estático que contém o sujeito; é um “pedaço” de alguma coisa, dessa desordem de um corpo com membros arrancados, apontado de maneira tão surpreendente no discurso da psicose; uma letra (lettre),[xxv] um trem, um cubo, uma marca, algo que não “contém” sentido, mas produz efeitos de sentido por ressonâncias, associações, desarrumação (remue-ménage), ruídos, sussurros, silêncios ou gesticulações. Pode ser esse furo significante do significante que falta, esse furo muito curto veiculado pela linguagem e tomado numa rede de peças heteróclitas bastante parecidas com essas colagens surrealistas, onde diferentes materiais se encontram associados sob a aparência do arbitrário. Portanto, na hipótese de um inconsciente-linguagem (linguagem condição do inconsciente), o desejo não “se exprime” na palavra, no discurso, no objeto ou no significante, mas esses são linguagem do desejo, significantes do desejo. Dizer que sem linguagem não há desejo (ou inconsciente), significa dizer também que toda linguagem é linguagem do desejo.

O inconsciente é linguagem na medida em que um recalque do falo se instaura. Este torna-se o significante de um desaparecimento, em que, por um efeito de metáfora, essa “barra” que cunha o significado da primazia do falo designa a Spaltung do sujeito. Dito de outro modo (e Lacan ainda o assinala recentemente), a linguagem na sua função de existência, em última análise, conota apenas a impossibilidade de simbolizar a relação sexual entre os seres que a habitam. O falo é um significante, mas ele não “contém” o sentido; longe de articular a descoberta freudiana na via de um falocentrismo herdado dos antigos (sentido-representação), o falo, no máximo, autoriza uma significação que mostra que ele se ordena na dialética do desejo, do Outro e do sujeito. Não há no amor nenhuma relação sexual na qual Eros seria o símbolo com todo o arsenal de sua “tecnicidade” a aliar o culto da natureza ao fetichismo do artifício. Não há relação, pois a relação designa o lugar de uma falta, onde o efeito da castração indica o deslocamento do gozo no vai-e-vem do ser e do ter. Eis o desejo histérico de sustentar o desejo do pai em seu estatuto. A relação liga-se à falta, assim como a esse real com o qual o sujeito está condenado a faltar, mas que revela o próprio faltar. Tal é o propósito dessa tirada lacaniana (“Não há relação sexual”) que as sufragistas[xxvi] poderiam – se não recusassem o sentido – brandir contra os pedagogos da ordem dominante, os defensores das famílias e dos casais.

O sujeito é “efeito” do significante e o sentido insiste, masnunca consiste na significação de que, ao mesmo tempo, é capaz. Quanto à “cadeia significante”, ela não é uma “soma” constituída de elementos significantes, mas uma “cadeia”, com ou sem metáfora, uma cadeia feita de anéis cujo colar se fecha no anel dum outro colar feito de anéis etc.[xxvii] Somente as correlações de significante a significante dão, então, o padrão da significação. O sujeito é “representado”. Identificado ao significante, ele só é compreensível na fórmula do (- 1), ou seja, a partir da falta na qual se articula o conjunto da cadeia significante. No traço unário se compreende o esquema das identificações de um sujeito irredutível aos domínios da psicologia, mas apreensível na própria linguagem, na instância da letra inconsciente, como sujeito de um corte entre o plano do enunciado e o da enunciação. Trata-se ainda aí de um sujeito? A ambiguidade permanece no lugar de um limite da hipótese lacaniana fundada sobre a instância literal de um inconsciente linguagem, cuja fórmula “o significante representa o sujeito para um outro significante” dá sentido à verdade freudiana.

“O inconsciente procede… Somente as correlações de significante a significante dão o padrão da significação”. Sem dúvida, essas duas frases permitem a Lacan uma nova intrusão da experiência freudiana no espaço de uma retórica reanimada pelos trabalhos da linguística moderna. Aqui, o empréstimo não se limita a Saussure, se bem que a barra que separa o significante do significado continua a desempenhar o papel fundamental de corte do sujeito, reenviando a toda cadeia os deslocamentos-transformações que definem o trabalho do sonho. Certamente, remarcou-se bem a analogia existente entre dois modos de elaboração do sonho descritos por Freud (condensação/deslocamento) e algumas figuras repertoriadas pela retórica tradicional. Em particular, o trabalho de condensação (substituição da parte pelo todo – representação do todo pela parte – formação de palavras compostas – deformações verbais etc.) parece recobrir, de uma só vez, os efeitos da metonímia, da sinédoque e da metáfora, ao passo que o trabalho de deslocamento (alusão – ação da censura – desvio-tenente da sequência de “ideias”, não de “palavras” etc.) remete à alusão, à metalepse, à alegoria, ao litote, à hipérbole, à ironia etc.[xxviii] Portanto, a condensação se aparentaria mais às figuras de palavras (ou figuras de significação que jogam com as palavras), ou seja, aos tropos propriamente ditos, e o deslocamento que faz a censura operar lembraria as figuras de expressão (jogando com a frase).

No quadro das hipóteses estruturais relativas às duas atividades da linguagem (relações sintagmáticas/relações paradigmáticas), Roman Jakobson[xxix] faz uma leitura particular da retórica antiga; abandonando a divisão clássica entre tropos e não tropos, ele indica a via de uma analogia possível entre os efeitos de metáfora relativos ao sistema (similaridade), os efeitos de metonímia que se desenrolam no nível do sintagma (contiguidade), e os dois polos da atividade da linguagem (o eixo da seleção e o eixo da combinação). Os distúrbios da linguagem, a afasia em particular, podem ser caracterizados pela perda ou não de uma dessas duas atividades. Além disso, Jakobson define a função poética da linguagem (a ênfase se dá sobre a mensagem em si mesma) como uma projeção do eixo da seleção sobre o eixo da combinação. Nos sistemas semiológicos analisáveis segundo tal modelo, encontrar-se-ia a coexistência de dois tipos de atividades: ora dominaria o processo de tipo metafórico, ora o de tipo metonímico.

A METÁFORA FREUDIANA

Referindo-se às teses de Jakobson, Lacan articula, no quadro de sua teoria do significante, a ligação entre o trabalho da condensação e “a estrutura da superposição dos significantes em que ganha campo a metáfora”, entre o deslocamento e “o transporte da significação que a metonímia demonstra”.[xxx] Mas longe de tomar a retórica ou a linguística como modelos, longe de considerar o sonho como um sistema semiológico, Lacan joga com o efeito da descoberta freudiana no próprio interior do campo da retórica “reanimada” pelos trabalhos da linguística. Não se trata de um “retorno” da retórica no sonho e na sua interpretação (retorno de um sentido), mas da avaliação crítica (a respeito do trabalho específico do sonho) do campo da retórica e da linguística. Dito de outro modo, se a linguagem dá seu sentido ao inconsciente (linguagem condição do inconsciente), o inconsciente ainda pode dar sentido a uma teoria da linguagem.

Ao retomar, por sua conta, essa oposição da retórica antiga entre figuras de significação e figuras de expressão[xxxi] através da oposição freudiana (condensação/ deslocamento), Lacan se afasta da hipótese estrutural que tende a definir a frase como soma de seus constituintes, isto é, a negligenciar seu valor específico.[xxxii]

Quando Saussure relegava a frase a uma linguística da fala, quando integrava o sintagma à língua, ele tentava definir o objeto da linguística: tratava-se de teorizar a língua como sistema de signos. Com o desenvolvimento da linguística estrutural (Hjelmslev, Martinet etc.), assistimos a uma rejeição da frase muito diferente da rejeição saussuriana. Tanto para os distribucionalistas quanto para os glossemáticos, trata-se de integrar a frase no quadro de uma taxinomia do discurso, de fazer, no fundo, a soma dos elementos que a compõem (o monema “equivalente do” fonema – teoria da dupla articulação – em Martinet) ou de defini-la por graus de derivação (Hjelmslev). A frase é então uma soma de unidades; seu sentido é dado pela “adição” das sucessivas significações (redução do sentido à significação); isso constitui uma verdadeira rejeição de toda problemática relativa à natureza da linguagem; tende-se a fazer acreditar que se pode “enjaular” a frase (no quadro do método taxionômico) ao invés de mostrar precisamente que ela escapa a tal quadro, e dá relevo a uma problemática completamente diferente (essa que Saussure havia visto). Essa outra problemática será a de Chomsky, para quem a descrição das frases de uma língua escapa ao domínio da fala que, por sua vez, dá relevo ao modelo da performance.

A tentativa jakobsoniana não é diferente. A linguagem é reduzida, para ele, à hierarquia de suas diferentes funções: o referente volta com força sob a forma do contexto, a língua é um código (donde uma metalinguagem), a fala (o discurso) uma mensagem e o sujeito esse locutor emotivo emissor-destinatário fechado no circuito do estímulo-resposta e da comunicação. A frase é integrada à atividade de contiguidade e reduzida a uma combinação de elementos numa cadeia.

Para Lacan, a problemática sintagma/frase não está posta. A teoria freudiana do inconsciente não implica nem uma teoria do signo (como a linguística estrutural) nem uma teoria do sentido. A metáfora atua no nível das significações. Na medida em que se relaciona com a censura, com o trabalho “clandestino” do sentido, com a resistência e com o transporte de significação, o efeito metonímico instala uma teoria do sentido que escapa à significação, assim como a frase escapa ao sintagma. O sentido não consiste jamais numa significação, mas insiste por causa dessa metonímia da falta a ser [manque à être] que é o desejo; se o sonho tem a estrutura de uma frase[xxxiii], é porque nele ocorrem transformações; nele ideias são traduzidas em figuras; nele se capta sentidos em seus desvios, lê-se a verdade quando ela se diz nos desvios, lê-se a verdade quando ela se diz na mentira. A seguinte frase de Freud sobre o delírio ilustra muito bem isso que na linguagem está no lugar presente e fugidio do sentido: “Os delírios são obra de uma censura que já não se dá ao trabalho de ocultar sua ação, que, em vez de colaborar para uma nova versão que não mais seja escandalosa, apaga impiedosamente aquilo que desaprova, de maneira que o que resta se torna incoerente. Essa censura procede de forma bem análoga à censura russa na fronteira, que, na intenção de proteger os leitores, cobre de tinta muitas passagens dos jornais estrangeiros a eles destinados”.[xxxiv]

Lacan põe a Dichtung ao lado da Verdichtung, a criação poética ao lado da metáfora. Seu nome (Verdichtung), “por condensar em si mesmo a Dichtung, indica a conaturalidade desse mecanismo com a poesia, a ponto de envolver a função propriamente tradicional desta”.[xxxv] Isto é, a criação poética não está ligada a uma “função poética” da linguagem. Tal criação não se esgota numa “ênfase posta sobre a mensagem por si mesma” ou no “lado palpável dos signos”;[xxxvi] mas é da própria natureza da linguagem proceder por jogos de palavras, todo uso da linguagem se desloca na metáfora. Descrevendo o mecanismo da condensação no trabalho do sonho e na tirada espirituosa [mot d’esprit], Freud mostra que a definição mesma de toda “criação” se encontra inclusa aí. Ela consiste numa invenção perpétua de termos, numa criação de palavras compostas a partir do que já existe na língua. A criação só existe no interior de um sistema de regras, porém é a linguagem do desejo que fala no mecanismo da língua. Provavelmente, ao lado da formação das palavras compostas (do tipo familionário [familionnaire] a partir de familiar [familier] e milionário [millionnaire],[xxxvii] ou monumentaneamente [monumentanéament] a partir de momento [moment] e monumento [monument], ou propileno [propylène] a partir de amileno [amylène] e propileu [propylées] etc.) que é preciso situar o discurso esquizofrênico, que trabalha sem cessar para desmembrar as palavras a fim de reconstruí-las de um modo insólito.[xxxviii] No deslocamento em que a censura pode operar até tornar o discurso incoerente, estaria situada a natureza ambígua da linguagem, ao passo que a condensação e a fórmula lacaniana da metáfora dariam o estatuto da criação poética (e não da especificidade da poesia) a qual seria inseparável do processo esquizofrênico; uma escrita como aquela de Raymond Roussel, inteiramente construída sobre tais processos, mostra que toda criação procede de uma colocação em jogo do mecanismo da linguagem e de uma certa alucinação da língua, na medida em que o significante é rejeitado, onde ele emerge duma estrutura de manipulações perpétuas determinando, ao mesmo tempo, a natureza psicótica de todo processo (talvez de toda criação?) e a dimensão excêntrica do desejo com relação à “consciência” do sujeito (descentramento do sujeito).

Indubitavelmente, ao descrever o duplo processo de elaboração do sonho, Freud emite, a propósito do desejo, hipóteses sobre a natureza da linguagem? Indubitavelmente, ele antecipa por isso os trabalhos da linguística? Mas ele faz melhor: situando um certo lugar do inconsciente (uma linguagem do desejo), mostra que sua teoria está sempre à frente de qualquer hipótese sobre a linguagem, que somente ela pode responder às questões que a teoria da linguagem se coloca.

Sendo assim, é necessário compreender o sentido do trabalho lacaniano para além de suas referências à linguística da primeira metade do século XX. Certamente, ao aproximar condensação, metáfora, significação e atividade de substituição, e deslocamento, metonímia e deslizamento de sentidos, Lacan se apoia diretamente sobre as hipóteses estruturais sobre a linguagem (existência de dois tipos de atividade, bipolaridade etc.). No entanto, ao acentuar não o signo, mas o atravessamento ou não da barra saussuriana sobre a resistência do sentido, ao instalar um sujeito veiculado pelo significante para fora de qualquer ideologia da comunicação e do estímulo-resposta, ele “descentra” a linguagem da posição estrutural. Mostra que, em nenhum caso, o modelo semiológico poderia dar conta, nem do trabalho do sonho, nem do trabalho da interpretação, nem da constituição da cadeia significante de onde o inconsciente procede. O sentido não se localiza no nível das figuras ou do signo, mas no perpétuo deslizamento, na constante “translação” dos elementos que o constituem. Toda significação remete a uma outra. Lacan assinala que a significação só pode emergir “pela implantação, numa cadeia significante, de um outro significante, mediante o que aquele que ele suplanta cai na categoria de significado e, como significante latente, perpetua nela o intervalo em que outra cadeia significante pode ser enxertada”.[xxxix]

Pouco importa, então, que os conceitos freudianos de condensação e deslocamento sejam “imprecisos” para os linguistas e retóricos; a “imprecisão” vem do fato de que eles negligenciam o trabalho do sonho e consideram a empreitada freudiana sob um ângulo simbolista. Ao aplicar ao sonho o modelo semiológico, Jakobson passa assim ao lado de sua precondição geral: “numa investigação da estrutura dos sonhos, a questão decisiva é saber se os símbolos e as sequências temporais usadas se baseiam na contiguidade (‘transferência’ metonímica e ‘condensação’ sinedóquica de Freud) ou na similaridade (‘identificação’ e ‘simbolismo’ freudianos)”.[xl]

Que a condensação recubra os efeitos de metáfora, de metonímia e de sinédoque; esse não é o problema. Ligando dois modos de elaboração do sonho a dois tipos de atividade da linguagem, Lacan mostra que Freud fazia da interpretação dos sonhos as hipóteses sobre a natureza da linguagem e o lugar do sentido, hipóteses que escapam ao modelo estrutural. Ele estigmatizava a analogia posta por Freud entre a elaboração do sonho e a técnica espirituosa (technique de l’esprit).[xli] E o instrumento linguístico que serve a Lacan (nesse caso, as hipóteses estruturais), e que faltou a Freud, serve também para demostrar o que seria o instrumento freudiano para a linguística.

Para mostrar como se constitui a cadeia significante, O. Mannoni empresta de Saussure seu esquema da pesquisa da quarta proporcional na criação analógica.[xlii] Saussure destaca que toda criação se dá a partir e no interior de um sistema de regras que põe em jogo o mecanismo associativo e o mecanismo sintagmático da língua; a analogia tem a tarefa de restabelecer o equilíbrio do sistema. “Nossa memória tem de reserva todos os tipos de sintagmas mais ou menos complexos, de qualquer espécie ou extensão que possam ser, e no momento de empregá-los, fazemos intervir os grupos associativos para fixar nossa escolha. Quando alguém diz vamos!, […] este figura, por um lado, na série vai! vão!, e é a oposição de vamos! com essas formas que determina a escolha; por outro lado, vamos! evoca a série subamos! comamos! etc.”.[xliii] “A analogia nos ensina, portanto, uma vez mais a separar a língua da fala; ela nos mostra a segunda como dependente da primeira e nos faz tocar com o dedo o jogo do mecanismo linguístico. Toda criação deve ser precedida de uma comparação inconsciente dos materiais depositados no tesouro da língua, onde as formas geradoras se alinham de acordo com suas relações sintagmáticas e associativas”.[xliv] Assim, sobre o modelo reação/reacionário se formará repressão/repressionário, ou repressionário está para repressão assim como reacionário está para reação.

reação                         repressão

––––––––         =        ––––––––        X = repressionário

reacionário                  X

No exemplo citado por Manonni, o que está em questão é o caso de um jovem homem que sofre de um “complexo de castração” com identificações femininas e de tendências homossexuais. Uma crise é provocada pelo casamento de sua irmã. Durante o noivado desta, ele acreditou ter sido contaminado pelo esperma de seu futuro cunhado, quer dizer, fecundado no lugar de sua irmã. No curso da análise, ele emprega todas os seus recursos para demonstrar que não tinha deslocado sobre sua mulher um desejo incestuoso “desconhecido”. No decorrer de uma sessão, ele declara: “não pode haver mais semelhança entre minha mulher e minha irmã do que entre um ovo (œuf) e um boi (bœuf)”. Ora, sua mulher se chama Laurence e sua irmã Florence. O que permite interpretar aqui o sentido dessa aproximação é o valor de acusação do provérbio: qui vole un œuf, vole un bœuf.[xlv] Para o paciente, isso se torna: “quem deseja Laurence (a mulher) pode muito bem desejar Florence (a irmã)”. “Nosso paciente – destaca Mannoni – poderia distinguir muito bem esses modos de jogo do significante. Se tivesse considerado a semelhança entre foie e oie, entre femme e âme, entre front e rond, ele teria achado esse jogo pueril e insignificante. Contudo, posto que o proverbio acusador tocava em algo do recalcado, a pura semelhança dos significantes

œuf                             Laurence

––––––––      =           ––––––––                  

bœuf                           Florence          se tornou de repente significativa”.

O mecanismo descrito por Saussure, assim como a dicotomia proposta língua/fala, não pode “aplicar-se” ao inconsciente. A referência ao modelo saussuriano permite apreender que toda “criação” se dá no interior de um sistema de regras. E todo jogo supõe sua regra, sobretudo o jogo “aleatório” das associações inconscientes. No jogo aqui em questão, o sentido das palavras, sua significação, seu pertencimento ou não a uma mesma família, a um mesmo “sistema” não desempenham nenhum papel. Pois, se o sentido se produz em qualquer lugar, é no quadro de uma lógica específica do desejo, que não tem nada a ver com a dupla lei relativa à língua (sintagma/paradigma) descrita por Saussure. Nesse sentido, Lacan destaca como encontra a articulação língua/fala/linguagem verdadeiramente “desviada” pela lei do desejo. “Para liberar a fala do sujeito, nós o introduzimos na linguagem de seu desejo, isto é, na linguagem primeira em que, para-além do que ele nos diz de si, ele já nos fala à sua revelia, e prontamente o introduzimos nos símbolos do sintoma […]. Essa linguagem […] tem o caráter universal de uma língua que se fizesse ouvir em todas as outras línguas, mas que, ao mesmo tempo, por ser a linguagem que capta o desejo no ponto exato em que ele se humaniza, fazendo-se reconhecer, é absolutamente peculiar ao sujeito”.[xlvi]

O exemplo de Mannoni mostra bem que o jogo com os significantes é primeiro na constituição do mecanismo das associações inconscientes; dito de outro modo, para funcionar, o “significante” passa muito bem ao “significado”; é dessa determinação primeira e numa relação de causa e efeito que o sujeito se constitui como tal. Mas o “isso funciona” ou “isso opera” é aqui insuficiente; para apreender o mecanismo associativo, é preciso ainda se referir ao significado recalcado (e não ao sentido), isto é, fazer intervir o desejo no próprio lugar da linguagem. O desconhecido seria então um sexto ladrão [larron]: o medo do incesto (ou o desejo de violar [violer] ou de roubar [voler] a irmã), liberado por deslocamento (censura) no proverbio.

Assim, teríamos:

œuf                  Laurence             vol (roubo)

––––––––   =  ––––––––     =    –––––––––  onde X = viol (violação)[xlvii]

bœuf                Florence              X

Por isso, vê-se como todo o esquema tradicional de uma fala-transmissão-mensagem, de uma linguagem-instrumento, desmorona, já que a propriedade da fala é a de fazer ouvir aquilo que ela não diz, que aí nada se comunica, mas que se busca aí, como em eco, a resposta do outro e que, finalmente, é na redundância – esse critério-fluido dos informáticos – que reside seu pleno valor evocativo. Nessa perspectiva, Lacan fala de uma certa supremacia do significante (sob o significado sempre em ação): não o “imperialismo do sentido”, mas o processo pelo qual o sujeito se encontra tomado na lei da linguagem, produzido como efeito de sentido, veiculado pela cadeia, sempre representado por um significante para um outro (significante), na dupla imbricação da metáfora e da metonímia.

Ao afirmar que seu ensino se dá “em torno” dos desenvolvimentos da linguística, Lacan não faz outra coisa senão emprestar seus conceitos de uma ciência anexa. Mostra aos linguistas por onde “isso não caminha” ao lado de sua teoria, pois, se as hipóteses lacanianas permanecem numa certa medida tributárias de uma etapa ultrapassada da linguística, elas denunciam nesta o duplo imperialismo que parece dominá-la, talvez assombrá-la, desde seu nascimento: – aquele do sentido que sem cessar faz retorno no campo da linguagem sob o aspecto da semântica estrutural, da semiologia, da semiótica e, mais recentemente, da semântica gerativa; – aquele do sujeito, sempre expulso pelos linguistas e que reemerge sob as formas mais diversas do informante ou do locutor, pondo à teoria da linguagem a eterna questão de sua relação com a psicologia.

A luta contra o “imperialismo do sentido” é, sem dúvida, o maior argumento de uma ciência da linguagem que, sem negar a existência do sentido, se recusa a localizá-lo em “unidades”, por maiores que estas sejam. O combate é conduzido sob duas frentes, uma teórica ou formal, a outra ideológica, contra a intrusão constante de um sujeito da psicologia na teoria da linguagem. Se a teoria freudiana do inconsciente é a grande negligenciada pelos linguistas, é, sem dúvida, porque ela intervém de maneira crítica em seus pressupostos. Intervém lá onde surge para os linguistas o fosso não resolvido de uma grande questão. Crítica, a teoria freudiana do inconsciente não poderia agir por meio de uma complementaridade, vindo a preencher o vazio de uma semântica em busca da “modernidade”. Ela implica uma teoria do sentido na medida em que o desejo está ligado à linguagem, em que toda linguagem é linguagem do desejo. Ela supõe a elaboração, no quadro de uma nova psicologia, de uma teoria do sujeito (descentrado).

Ora, constatamos que a teoria chomskyana conduz sua luta sobre duas frentes (semântica-psicologia); contra as hipóteses estruturais e os desvios semântico-estruturalistas de certos gerativistas, por um lado;[xlviii]  contra o behaviorismo triunfante do corpus constituído pelos linguistas e psicólogos, que encontram no “eu autônomo” da sociedade americana esse ideal ortopédico de um sujeito que a psicanálise da adaptação faz muita questão de conservar. Através de sua crítica à linguística estrutural, de seu abandono das teorias do signo em proveito de um objeto específico determinado por novos critérios (a sintaxe), de seu projeto de elaborar uma gramática capaz de descrever as estruturas sintáticas das frases (estruturas profundas e estruturas de superfície), os meios formais que propõe utilizar para dar uma nova representação do sentido, Chomsky constrói o campo possível de uma teoria das línguas naturais. Sem dúvida, suas teses sobre o estudo empírico dos universais da linguagem, sua determinação em construir uma teoria da aquisição dos conhecimentos ou, ainda, a colocação em evidência do aspecto criador da utilização da linguagem põem pela primeira vez à linguística a questão de seu lugar, de sua ideologia e de sua cientificidade. Essas teses mostram que “o estudo da linguagem deveria ocupar um lugar central na psicologia geral”.[xlix] Seria necessário acrescentar: a psicologia é uma ciência? O que é uma “psicologia científica” que exclui a psicanálise?

Contudo, nesse estado, o problema permanece intacto, uma vez que a questão de uma teoria da linguagem sempre foi posta em suas relações com a biologia, de um lado, e com a psicologia, de outro. Como preencher um grande buraco? Como fazer a crítica de uma psicologia cujas insuficiências são amplamente conhecidas? Como elaborar uma teoria da linguagem capaz de se reformular no interior de uma nova psicologia? Ainda que as críticas de Chosmky a respeito da psicologia sejam pertinentes, é forçoso constatar que sua nova teoria da linguagem continua amplamente tributária de um espaço pré-freudiano, talvez deliberadamente não freudiano, da psicologia; estranhamente, o discurso tido em A linguagem e a mente se assemelha a certas propostas de Freud sobre a elaboração de uma nova psicologia que integraria os outros domínios do saber. Com a ressalva de que Freud tinha resolvido, em parte, o problema de uma “subversão” da psicologia pela metapsicologia. Ele já tinha enunciado as bases teóricas dessa nova psicologia tão esperada pelos linguistas. A negligência destes últimos em relação à metapsicologia freudiana condena a ciência da linguagem a um “atraso” perpétuo. Ela os condena a falar a linguagem da psicologia, seja lá o que dizem de diferente em seus domínios.

ÉDIPO E A ESTRUTURA

A leitura particular que Lacan propõe da teoria saussuriana não autoriza, de maneira alguma, os linguistas estruturalistas a classificarem a teoria lacaniana no catálogo das adaptações fantasiosas de um esoterismo mallarmeano: quando o fazem, ora é o inconsciente que permanece oculto, ora é Saussure que se encontra desconhecido. O questionamento de todas as posições da linguística da primeira metade do século pela teoria chomskyana não autoriza os adeptos de um “chomskysmo” frequentemente mal compreendido (notadamente na França) a guardarem as hipóteses lacanianas no sótão da estrutura; quando eles o fazem, é Freud que se encontra desconhecido. Pois uma coisa é certa: a hipótese de uma “linguagem condição do inconsciente” permitiu liberar a teoria freudiana de suas amarras com o biologismo, o sociologismo e o psicologismo, e um bom número de linguistas, reservando-se o privilégio de falar da linguagem, reenviam o inconsciente de volta às fontes de uma memória genética e até mesmo o fecham na gaiola dourada das “estruturas mentais”.

Ao descobrir no inconsciente a lei da anulação da negação, Freud rearticula sua hipótese em conformidade com os trabalhos da filologia de seu tempo. Ele vê uma analogia entre as proposições de Karl Abel sobre os sentidos opostos nas palavras primitivas[l] e sua teoria da anulação. Assim, ele dá ao inconsciente a dimensão de um vestígio [trace] arcaico, comparando sua descoberta àquela da filologia fantasiosa em busca de um sentido original. No limite, seríamos tentados a ver nas especulações freudianas sobre esse assunto um tipo de etimologização do inconsciente. Sem dúvida, só-depois, porque se Freud se engana quanto à etimologia, ele conserva o essencial de sua hipótese sobre a supressão da negação no inconsciente. Isso quer dizer também que esse “vestígio inconsciente” não tem nada a ver com uma ideologia da origem do sentido ou do sentido da origem. De nossa parte, dizemos que as relações de Lacan com a linguística são o inverso daquelas de Freud com a filologia. Retornar ao sentido de Freud através de Saussure é precisamente afastar o inconsciente de sua cola mítica, desviar do mito pelo essencial, do vestígio pelo inconsciente, do édipo pela castração. Desteatralizar a cena do inconsciente e esvaziar o trágico é tomar Freud no essencial de uma teoria, que também diz a verdade de um desejo neurótico: o desejo freudiano de fazer o inconsciente “passar” na trama de um saber filológico. Saussure não toma aqui o lugar de K. Abel, mas aquele lugar que falta a Freud, o de uma teoria na qual este poderia ter lido sua descoberta. Contudo, não é preciso cair no engodo: a um imperialismo do mito pode muito bem suceder um imperialismo do “sentido-no-significante”, desde que ao inconsciente-linguagem suceda um inconsciente-estrutura, que o inconsciente se encontre organizado sobre o modelo do estruturalismo, ou que o modelo edipiano seja repensado no quadro de uma universalidade da estrutura.

Incontestavelmente, a fórmula lacaniana de um inconsciente estruturado como uma linguagem é ambígua, na medida em que Lacan se apoia sobre as hipóteses da linguística estrutural, talvez sobre uma certa utilização que a etnologia faz dessas mesmas hipóteses.  Em 1959, em “Observação sobre o relatório de Daniel Lagache”, ele afirmou fazer um emprego do termo estrutura se autorizando do termo de Claude Lévi-Strauss; e mais adiante, sublinhou, o que pode parecer contraditório, mas define bem a posição do sujeito em psicanálise: “pois, é ou não o estruturalismo aquilo que nos permite situar nossa experiência como o campo em que isso fala? Em caso afirmativo, ‘a distância da experiência’ da estrutura desaparece, já que opera nela não como modelo teórico, mas como a máquina original que nela põe em cena o sujeito”.[li] De fato, a fórmula lacaniana não autoriza a ideia de um inconsciente-estrutura; ela não confirma as hipóteses de uma língua estrutura ou sistema de signos. Ela denota simplesmente uma certa relação do inconsciente com a linguagem sem prejulgar explicitamente as hipóteses possíveis relativas à natureza da linguagem; frequentemente, como vimos, longe de trazer sua contribuição às hipóteses estruturalistas, ela implicitamente as refuta. Desse modo, escapa à ideologia do “modelo”, isso mais ainda se ela claramente se aparenta a uma outra fórmula, não ambígua a esse respeito, de uma linguagem condição do inconsciente. Se há “estrutura” em tal projeto, é na medida em que a articulação do sujeito com o significante se dá em torno de uma falta. Essa falta não é aquela do ser da filosofia existencial, nem a falta-real-de-algo da ordem da necessidade, mas um deslocamento perpétuo do significante na cadeia, enquanto o desejo é sempre significante de uma ausência. Em contrapartida, a teoria lacaniana permite uma leitura de categorias da filosofia. Ela autoriza dispor os lugares dos polos da necessidade e da demanda, ligando o desejo à falta numa estrutura onde se articula a relação do sujeito com o significante. Decerto, “nada falta ao desejo” – segundo a bela frase de Gilles Deleuze –, caso contrário o inconsciente seria rejeitado no lugar do idealismo, porém seu objeto sempre falta e a “realidade” deste não afeta em nada o assunto, dado que o desejo sempre alucina o objeto e o falo é sem cessar significante de uma ausência (a barra que incide sobre o significado). Entre um inconsciente-(determinado pela)-linguagem, em que a linguagem é linguagem do desejo, e em que o desejo não se encerra na Lei, mas é em si a Lei, e um inconsciente-estrutura calcado no modelo dos linguistas, a margem é grande, embora não exclua uma possível recuperação do inconsciente pela estrutura, talvez o esquema provável de um inconsciente semiológico.

O modelo edipiano tal qual retomado de Freud por seus discípulos tende, com frequência, a substituir-se ao próprio inconsciente e a restaurar a universalidade de um mito sobre um modo às vezes idealista, às vezes positivista. A teoria lacaniana do significante permite situar o sujeito em sua relação com três ordens: o imaginário, o real e o simbólico. Remontaríamos assim do imaginário (da relação dual) ao simbólico (introdução de um terceiro), designando o real do sujeito no impossível de um corte. O imaginário seria marcado pelos polos que ligam o eu (moi) ao ideal do eu através do desejo da mãe (relação dual), enquanto o simbólico seria marcado pela presença do nome do pai (nom du père) no lugar do Outro, de onde o sujeito coloca a questão de sua existência. Isso mostra o pertencimento do sujeito à ordem da linguagem, sua relação privilegiada com o significante e com o objeto a. Longe de restaurar uma triangulação edipiana como fundadora do inconsciente, Lacan mostra, ao contrário, que o Édipo é tomado na linguagem, que não há, em primeiro lugar, a universalidade de um mito ou o esquema geral de uma família patriarcal, mas uma presença significante. Conservando de édipo apenas a lei da castração, tornando-a simbólica, Lacan relega a cena do tabu do incesto aos antropólogos e a cena da tragédia aos historiadores da arte, já que, comoele assinalou várias vezes, totem e tabu “é torto” e “não quer dizer nada”.

Sonhar com um Édipo sofocliano, sonhar com o mito, é entrar na ordem da metalinguagem. Ao mostrar que Moisés ou o Totem procedem da neurose, dessa neurose que Freud reconheceu na histeria, Lacan conserva um testemunho: o produto neurótico atesta a verdade de uma construção lógica e o discurso analítico se instaura a partir de uma restituição dessa verdade à histeria. A castração testemunha a impossibilidade aos habitantes da linguagem de simbolizarem a relação sexual. Édipo é uma fantasia; a lógica da construção freudiana mostra que o real suporta a fantasia, enquanto a fantasia protege o real.[lii] Em outros termos, é isso que nos interessa aqui: Lacan esvazia a dupla interrogação (o que isso quer dizer? e como isso funciona?) subjacente a todas as hipóteses da linguística estrutural relativas à linguagem, apontando para o seu impasse. Portanto, é sobre o terreno do perpétuo ricochete do sentido e da função que as diferentes escolas estruturais (funcionalismo-semântica-lógico-positivismo) são afrontadas, retomando um mesmo percurso no qual o mínimo que se pode dizer é que condena a linguística e seu ensino, notadamente na França, a procurar sem cessar os vestígios do sema, dos níveis e do não sema, ou, bem ainda, a colher os efeitos de uma lógica da denotação, da conotação e da metalinguagem.

Mas esse abandono do édipo em proveito da castração não ocorre sem problemas, já que, ao invés de torná-la simbólica, pode-se fazer do édipo uma estrutura, isto é, abandonar o terreno do significante (do simbólico em sua estrita definição lacaniana) e do inconsciente-linguagem em detrimento de um édipo estrutural onde a universalidade de uma castração-estrutura assume o lugar do imperialismo de um mito.[liii] Passa-se, desse modo, do “Sentido” à “Função”, substituindo pelas imagens eternamente presentes do pai e da mãe aquelas não menos presentes de seus representantes funcionais e diferenciais (as funções parentais). A positividade de uma estrutura organizadora do inconsciente sucede à entrada em circulação do sentido (desejo), do significante e do sujeito, devolvendo, por tal viés, as categorias do desejo ao grande modelo da eterna família.

Esse retorno da estrutura numa teoria que precisamente soubera ler Saussure para além das interpretações da linguística estrutural constitui o esboço de um perigo do qual devemos assinalar a presença nos próprios discípulos deste, que soube evitá-lo.[liv] Tradução: Thales


[i] Cf. a aula de 19 de dezembro de 1972, de O Seminário: livro 20: mais, ainda. Nela, Lacan afirma: “se consideramos tudo que, pela definição da linguagem, se segue quanto à fundação do sujeito, tão renovada, tão subvertida por Freud, que é lá que se garante tudo que de sua boca se afirmou como o inconsciente, então será preciso, para deixar a Jakobson seu domínio reservado, forjar alguma outra palavra. Chamarei a isto de linguisteria. […] Meu dizer que o inconsciente é estruturado como uma linguagem não é do campo da linguística.” (LACAN, [1972] 1985, p. 25). [N.T.]

[ii] Trata-se de um enunciado acrescentado na segunda versão. Esse enunciado remete a uma frase dita por Lacan em mais de uma ocasião, incluindo na sua homenagem a Jakobson: “Que se diga fica esquecido detrás do que se diz no que se ouve” [« Qu’on dise reste oublié derrière ce qui se dit dans ce qui s’entend »].  [N.T.]

[iii] Referência a um enunciado localizável nos Escritos: “Fez-se questão apenas de repetir, segundo Freud, o dito de sua descoberta: isso fala […] ali onde isso sofre [là où ça souffre]” (LACAN, [1955/1966] 1998, p. 414 [“A coisa freudiana ou Sentido do retorno a Freud em psicanálise”]). O leitor ainda encontrará uma fórmula aproximada na lição de 8 de maio de 1973: “Essa hiância inscrita no estatuto mesmo do gozo enquanto diz-mansão do corpo no ser falante, aí está o que torna a brotar com Freud por esse teste – não preciso dizer mais nada – que é a existência da fala. Aonde isso fala, isso goza [Là où ça parle ça jouit].” (LACAN, [1973] 1985, p. 156). [N.T.]

[iv] S. Freud. L’interprétation des rêves, chap. VI, p. 241. [S. Freud. A interpretação dos sonhos (1900), cap. VI. (tradução de Paulo César Souza) Companhia das Letras]. Utilizamos aqui a tradução brasileira, mas a adaptamos pontualmente (“linguagens” por “línguas”; “transposição” por “transcrição”), respeitando, assim, a citação da autora.

[v] Menção à fórmula lacaniana da comunicação intersubjetiva. Em “Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise”, lemos: “a linguagem humana constituiria, então, uma comunicação em que o emissor recebe do receptor sua própria mensagem sob forma invertida.” (LACAN, [1953] 1998, p. 299). [N.T.]

[vi] Cf. Jacques Lacan, “Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise” ([1953] 1998) e Moustapha Safouan, Estruturalismo e psicanálise. São Paulo: Cultrix, 1970.

[vii] A autora alude a uma passagem de “Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano”: “Genebra, 1910, e Petrogrado, 1920, dizem bem por que seu instrumento faltou a Freud. Mas essa falha da história só faz tornar mais instrutivo o fato de que os mecanismos descritos por Freud como sendo os do processo primário, onde o inconsciente encontra seu regime, abrangem exatamente as funções que essa escola toma por determinantes das vertentes mais radicais dos efeitos de linguagem, quais sejam, a metáfora e a metonímia, ou dito de outra maneira, os efeitos de substituição e combinação do significante nas dimensões respectivamente sincrônica e diacrônica em que eles aparecem no discurso.”(LACAN, [1960] 1998, p. 813-814). [N.T.].

[viii] Citação de “Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano”. “O inconsciente, a partir de Freud, é uma cadeia de significantes que em algum lugar (numa outra cena, escreve ele) se repete e insiste, para interferir nos cortes que lhe oferece o discurso efetivo e na cogitação a que ele dá forma.” (LACAN, [1960] 1998, p. 813). [N.T.]

[ix] Troubetzkoy. Principes de phonologie,(Klincksieck).

[x] Claude Lévi-Strauss [1958]. Antropologia Estrutural. São Paulo: CosacNaify, 2008.

[xi] Cf. Roland Barthes. Elementos de semiologia (1964) e, sobretudo, Sistema da moda (1967),amplamente inspirado na glossemática hjelmsleviana, assim como os diferentes números da revista Communications,que difundem massivamente uma ideologia socio-semiológica. O projeto modernista de uma semiótica geral (ou ciência das práticas significantes) apareceu nesse mesmo campo ideológico (positivismo taxionômico).

[xii] Sigmund Freud. Totem e tabu (1913) e Moisés e o monoteísmo (1939).

[xiii] Segundo observa Ari Roitman, tradutor de O seminário: livro 17: o avesso da psicanálise, o vocábulo maître pode ter três acepções: a) amo, em oposição a servo; b) senhor, em oposição a escravo; e c) mestre, em oposição a discípulo. Na ausência de um termo que reúna as três, traduz-se maître simplesmente por mestre. Em relação a désir de l’hystérique, decidimos traduzir por desejo histérico e não pelo tradicional “desejo da histérica”, mantendo, assim, a ambiguidade do adjetivo substantivado comum de dois gêneros. [N.T.]

[xiv] A citação de Roudinesco se encontra em “A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud”: “Impõe-se, portanto, a noção de um deslizamento incessante do significado sob o significante – que F. de Saussure ilustra com uma imagem que se assemelha às duas sinuosidades das Águas superiores e inferiores na miniatura dos manuscritos do Gênesis. Duplo fluxo onde parece tênue o marco dos finos riscos de chuva que ali desenham os pontilhados verticais que se supõe limitarem segmentos de correspondência.” (LACAN, [1957] 1998, p. 506); e “A Entstellung, traduzida por transposição, onde Freud mostra a precondição geral da função do sonho, é o que designamos anteriormente, com Saussure, como o deslizamento do significado sob o significante, sempre em ação (inconsciente, note-se) no discurso.” (LACAN, [1957] 1998, p. 511). [N.T.]

[xv] Cf. Louis Althusser [1964]. Freud e Lacan. Tradução e notas de Walter José Evangelista. Rio de Janeiro: Graal, 1985. p. 47-72. 

[xvi] WOLFSON, Louis. Le Schizo et les Langues. Paris: Gallimard, 1970, precedido da introdução de Gilles Deleuze [Schizologie]. Cf. “Louis Wolfson, ou o procedimento”. In: DELEUZE, Gilles. Crítica e clínica. Tradução de Peter Pál Pelbart. São Paulo: Ed. 34, 1997.

[xvii] J.-P. Brisset, La Grammaire logique, seguida da Science de Dieu, (Tchou), assim como o prefácio de Michel Foucault. Seria possível detectar uma analogia entre os discursos de Brisset, de Wolfson e o processo rousseliano, reenviando, por um desvio, à conclusão teórica dessa proposição freudiana: em seu delírio, Schreber diz a mesma coisa que Freud, às vezes até melhor: isto é, o impossível da metalinguagem que desconhece a dimensão da verdade; ou seja, o engodo normativo de todo estudo baseado na ideia de uma teoria fundada sobre a existência de diferentes funções na linguagem (cf. Jakobson, E.L.G.); cf. igualmente meu estudo “L’Inconscient et ses letres”, Action poetique, n. 45.

[xviii] LACAN, Jacques [1966]. Escritos. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. Essa passagem pode ser lida no “Apêndice II (a metáfora do sujeito)”, p. 906. [N.T.]

[xix] J. Lacan. Escritos [“A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud”], p. 520.

[xx] J. Lacan. Escritos [“A direção do tratamento e os princípios de seu poder”], p. 599.

[xxi] Ferdinand de Saussure. Cours de Linguistique Genérale, publicado por Bally e Sechehaye (Payot) a ser completado pelas Sources Manuscrites de Godel.

[xxii] Bloomfield. Le langage (Payot) e Roland Barthes (citado).

[xxiii] J. Lacan: “O único enunciado absoluto foi dito por quem de direito, ou seja, que nenhum lance de dados no significante jamais abolirá nele o acaso – pela simples razão, acrescentamos, de que nenhum acaso existe senão em uma determinação de linguagem, e isso, sob qualquer aspecto que o conjuguemos, de automatismo ou causalidade” (Escritos [A metáfora do sujeito], p. 907).

[xxiv] Cf. Jacques Lacan. “Observações sobre o relatório de Daniel Lagache: Psicanálise e estrutura da personalidade” ([1960] 1998, p. 664-665).

[xxv] Nunca é demais lembrar que lettre – homófono de l’être (o ser) – também pode designar carta. [N.T.]

[xxvi] No original, « suffragettes de la femme libre ». Possível referência ao Movimento da Liberação das Mulheres (MLF), notadamente crítico à teoria do campo psicanalítico. [N.T.]

[xxvii] A autora faz alusão à seguinte passagem de “A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud”: Com a segunda propriedade do significante, de se compor segundo as leis de uma ordem fechada, afirma-se a necessidade do substrato topológico do qual a expressão ‘cadeia significante’, que costumo utilizar, fornece uma aproximação: anéis cujo colar se fecha no anel de um outro colar feito de anéis.” (LACAN, [1957] 1998, p. 505). [N.T.]

[xxviii] S. Freud. Interpretação dos sonhos (citado).

[xxix] Roman Jakobson, Essais de Linguistique générale, (Minuit). Alguns dos ensaios dessa coletânea foram traduzidos para o português e publicados no livro Linguística e comunicação(Cultrix).

[xxx] As duas citações são de “A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud”, p. 515. [N.T.]

[xxxi] P. Fontanier, Les Figures du discours, (Flammaríon)

[xxxii] Emile Benveniste [1962/1964]. “Os níveis da análise linguística”. In Problemas de linguística geral I. Campinas: Pontes, 1976. p. 127-140. Para a teoria dos níveis, integrantes e constituintes, a frase se encontra determinada por seus constituintes. A noção de “limite” inferior e superior (do merisma ao frasema) define todo discurso, enquanto o sentido é chamado a “nascer” em certas unidades (morfemas etc.). Entre o nível superior e o nível inferior, “destaca-se claramente um nível intermediário, o dos signos […]. Tal é a estrutura dessas relações.” (BENVENISTE, 1976, p. 134). Em todas as hipóteses estruturais, encontram-se as mesmas formulações quanto à hierarquia do discurso nos distribucionalistas, na teoria hjelmsleviana da derivação e no funcionalismo de Martinet. Cf. Prolegômenos a uma teoria da linguagem (HJELMSLEV, Ed. Perspectiva) e Elementos de linguística geral (MARTINET, Martins Fontes).

[xxxiii] “Então, que retomemos a obra de Freud na Traumdeutung, para ali nos relembrarmos que o sonho tem a estrutura de uma frase, ou melhor, atendo-nos à sua letra, de um rébus, isto é, de uma escrita da qual o sonho da criança representaria a ideografia primordial, e que reproduz no adulto o emprego fonético e simbólico, simultaneamente, dos elementos significantes que tanto encontramos nos hieróglifos do antigo Egito quanto nos caracteres cujo uso a China conserva.” (LACAN, [Função e campo da fala e da linguagem na psicanálise], [1953] 1998 p. 268). [N.T.]

[xxxiv] S. Freud. L’interprétation des rêves, chap. VI, p. 241. [S. Freud. A interpretação dos sonhos (1900) (tradução de Paulo César Souza), Companhia das Letras].

[xxxv]J. Lacan. Escritos [“A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud”], p. 515.

[xxxvi] Jakobson. Op. cit.

[xxxvii] Esse Witz é analisado por Freud em O chiste e sua relação com o inconsciente e por Lacan em O Seminário: livro 5: As formações do inconsciente (1957-1958). [N.T.]

[xxxviii] Veja, em particular, as diferentes etapas do processo rousseliano em Comment j’ai écrit certains de mes livres) (Pauvert) e nota 20.

[xxxix] Trata-se da definição de metáfora em “À memória de Ernst Jones: sobre sua teoria do simbolismo”. J. Lacan. Escritos. p. 716.

[xl] Jakobson. “Dois aspectos da linguagem e dois tipos de afasia”. Em Linguística e comunicação (V. Os polos metafórico e metonímico). p. 61.

[xli] O autor se refere a essa analogia na abertura da aula de 13 de novembro de 1957. J. Lacan. O Seminário: livro 5: As formações do inconsciente (1957-1958). [N.T.]

[xlii] Octave Mannoni. [1969] Chaves para o imaginário [A elipse e a barra]. Petrópolis: Vozes, 1973.

[xliii] Saussure. CLG, p. 150-151

[xliv] Saussure. CLG, p. 192.

[xlv] Aproximativamente: “quem rouba um tostão, rouba um milhão”. “Embora não se diga em português ‘Quem rouba um ovo rouba um boi’, a relação é a mesma, confirmando que a gravidade do roubo não está propriamente no valor do que se é roubado, mas na ação de tomar o que não é seu”. Cf. Adriana Zavaglia. Xeretando a linguagem em francês. Barueri: DISAL, 2012. [N.T.]

[xlvi] LACAN, [Função e campo da fala e da linguagem na psicanálise], [1953] 1998 p. 294-295.

[xlvii] O. Mannoni me fez observar que aqui eu “transgrido” a regra do jogo significante, ao fazer aparecer o fonema “a mais” (o i de viol) não na posição maior (como é o caso da série bœuf, Florence), mas em segunda posição (vol/viol).

[xlviii] Sobre o desenvolvimento das posições chomskyanas face à semântica gerativa e às reduções psicologistas, cf. Mitsou Ronat. « Notes pour une théorie de la forme des langues ». In : Hypothèses (coll. Change, chez Laffont).

[xlix] Chosmky [1968]. A linguagem e mente. Brasília: Universidade de Brasília, 1998.

[l] S. Freud [1910]. Sobre o sentido antitético das palavras primitivas. [Neurose, psicose, perversão]. Belo Horizonte: Autêntica, 2019. p. 59-71.

[li] Cf. Jacques Lacan. “Observações sobre o relatório de Daniel Lagache: Psicanálise e estrutura da personalidade” ([1960] 1998, p. 655).

[lii] Lacan, Jacques. “A significação do falo” (Escritos), O seminário: livro11: os quatro conceitos fundamentaise O seminário: livro 18: de um discurso que não fosse semblante (junho de 1971).

[liii] Cf. E. Ortigues. Le Discours et le Symbole e, mais recentemente, Œdipe africain (em coautoria com Marie-Cécile Ortigues)

[liv] Parece bem que a proposição feita por J. Lapanche e S. Leclaire, num texto aliás muito importante, de um “inconsciente condição da linguagem”, repousa sobre um contrassenso. De fato, não há linguagem primordial, inconsciente ou até mesmo psicótica (feita de um puro xadrez de significantes) senão sob a forma de uma linguagem, a menos que se ceda à ilusão da dupla inscrição ou do vestígio arcaico. Daí a contraproposta lacaniana de uma “linguagem condição do inconsciente”. Cf. J. L. e S.L., L’inconscient, une étude psychanalytique, texto de uma intervenção feita no Colóquio de Bonneval em 1960 (Desclée de Brouwer). O erro teórico vem aqui de um erro quanto à apreensão das teses estruturais sobre a linguagem, em que, com o auxílio de uma “nova ciência”, o inconsciente freudiano foi captado.