Microfonia
luta pela voz
vocalização
violência
– Política
– Simbólica
– Fálica
-Fatídica
microfonia cacofonia kakistocracia
gaia voz terra sede poder
Poderia uma mulher falar como homem?
Dirigir-se como para igual, rente? Tête-à-tête?
vociferam as ferozes e raquíticas ratazanas
vil vereança assolada,
esmagada pelo violeta futuro
Curva
Esqueço de amar a cada esquina
A cada curva dita forma do amor
não me permito estar
Em cada curva destas,
rasteiras e silenciosas,
habita um medo maior que o mundo
Em cada reta, por outro lado,
estaciono os olhos e descanso
fingindo ser meu mundo um infinito continuum
Pelas bocas professorais,
fui instruída que reta é reta e curva é curva
sem nunca contudo me convencer de tal asneira
Ora! Não são todas as formas
(e outras tantas indizíveis e inclassificáveis)
pontinhos formulados em estado latente de cogito?
Tragédia enunciativa
eu, poeta de útero
desenho signos significantes oníricos
desenho desejo fausto
desejo olhar sinapses de Carolina
eu, criança de cara amarrada
quis discernir sentidos
tocar o cheiro do estofado velho
da vizinha velha
cheirar meu abrigo externo
dar de cara com a canção de piseiro
eu, impaciente mistura sinestésica
tinha sede de conhecer
números romanos, naturais, decimais, complexos
números mais racionais que o rap paulista
ou que o gingado do Maia
fatigada com a demora para chegar ao casamento das letras latinas
surgindo memória verbal
eu, puro trauma consciente
consciência que sou
dos sentimentos amorosos e desamorosos
com o pai, com a mãe, com o mundo
inconsciente que o sangue que escorria do joelho
e o machucado no seio pueril
eram o material da psicanalista de séculos depois
eu, confusa entre três amantes inconciliáveis
debruçara-me em outras vozes
e seguia-as
enquanto o balanço da rede guiava meu tato
sedento
de linhas
de curvas
de palavras de nuvem
eu, artista imatura
amei a eternidade
quando ela ainda era só pensamento
e som
vazada da boca da que me pariu
mas era também a certeza de minha amiga filósofa
e mestra
eu, folha dilacerada
com duas semanas de vida
o bastante para sentir a seiva correr
e testemunhar
a comunhão de corpos alheios à frente
ao lado
e antes
eu, tempo perdido
doado de poetas pré-históricas
construtoras civis
civilizadas
esquecidas
deturpadas
não neguei a vontade de observar ao longe o gosto do primeiro beijo triplo humano
em ritual circular noturno
nojento
nodado
nu
nauseante
nobre e
notável
eu, escondida atrás do mundo
via outros planetas e seus ritmos involuntários
de concepção da vida pré-palavra
pá que lavra
larva
escorrendo chumbo derretido e teorias
que incomodariam o cantor sertanejo rebelde
e bigodudo
esquizofrênico
eu, leiga flor
não mereço as honras das rainhas e das deusas
porque sempre cri em reis e deuses
ou melhor
deus no singular
na solidão
cercado por luz
atormentado por todas as ideias
que já-sempre-nunca existiram(ão)
tu, sóbrio adulto
empalotado
engravatado
bem-vestido e bem-despido
era os olhos que me constrangiam
de detrás do birô
eu, feto perdido
não tive escolha
de não escolher
já estavam lá as opções gritando em minhas retinas
bombardeadas como agora
por luz artificial
eu, espectadora fiel
de luzes e vozes e movimentos
cinematográficos
teatrais
carnavalescos
eclesiásticos
admirava a imagem fictícia das riquezas da esquecida rainha de Sabá
eu, dona de toda razão e orgulho
procurei incansável o poema limpo
curvo e feminino
a voz materna que gerou a morte
os emes freudianos
mãe, mulher, morte
bilabiais nasais insignificantes
eu, silício e oxigênio
crosta do medo e da podridão
trouxe nas ancas a verdade
e lancei como se eu mesma fosse o presente
aos homens
que não me quiseram analisar
que gastam suas horas redigindo regras ortográficas e de como acumular dinheiro
tu, anjo belo e questionador
com migalhas não te satisfizeste
fizeste as malas
e depois nos contaram que
foste tu a levar o pé na bunda
abundante de ironia
eras tu a própria comédia
libertadora
eu, poeta perdida e achada,
não tendo mais que compartilhar,
volto à jaula
quite com minha cabeça
que a submersão às pontuações é minha quota
nos lados de cá e de lá
Sobre a autora:
Shara Lopes nasceu em Valença do Piauí. É professora de Língua Portuguesa do IFPI e doutora em Linguística pela UNICAMP. Teve textos publicados no Geleia Total e na Revista Torquato. Gerencia o perfil do instagram @mulheresescritoras.
Maravilhosa, amiga! Parabéns!
Parabéns, querida dobrinha, lindos poemas!
Obrigada, tia!
Ave Shara ! Poemas fortes. Bem construídos. No fragmento: eu silicio oxigênio crosta do medo e da podridão … nos remete ao célebre Augusto dos Anjos(Eu). Parabéns!
Que bom que gostou, César!
Muito bom!
Culpa tua!
Que força em palavras!
Parabéns, Shara!
Poxa! Feliz de ver teu comentário, Shay! Valeu!
Foi um deleite ler seus poemas, Shara! Maravilhosaa!
Obrigada pela leitura, Beel!
Um encontro de pauladas, que dizer, baladas poéticas! Adorei a referência aos três emes freudianos: acho que tudo é sobre isso – mãe, mulher e morte. Lindo!
Grata pela leitura, Rebecca! Psicanálise dá pano pra manga.
Poesia contemporânea de muita qualidade! Parabéns!!! Continue a nos presentear com versos poéticos com voz feminina!
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